🇬🇧 English 🇵🇹 Português 🇨🇳 简体字


Aspiração: Principal      Programa     Semana 1     Semana 2     Semana 3     Semana 4     Semana 5     Semana 6     Semana 7     Semana 8     Semana 9


Alex Li Trisoglio

Aspiração: Semana 8 – Dedicação 

4 de maio de 2024
56 minutos

Referência: Rei das Preces de Aspiração de Samantabhadra, versículos 55 – 63

Video / Transcrição

Tradução para o português por Alvaro Luis Campos

Introdução à Semana 8

Bem-vindo

Olá e bem-vindo à Semana 8 de nossa revisão dos ensinamentos de Dzongsar Khyentse Rinpoche sobre o Rei das Preces de Aspiração de Samantabhadra, o Pranidhana-Raja. Esta semana vamos abordar os versículos sobre dedicação e assim completar o texto. A imagem desta semana é um par de mãos soltando suavemente um pássaro no céu, simbolizando a manifestação de compaixão e sabedoria em ações que trazem benefício, alegria e, no sentido último, liberdade aos outros. 

Também simboliza a intenção central da dedicação, que consiste em pegar o que há de mais precioso para nós – o mérito que tanto trabalhamos e praticamos para acumular – e doá-lo. Este não é um presente comum. É o combustível para o nosso progresso no caminho, a matéria-prima para o nosso próprio despertar – e não estamos apenas deixando-o ir no espírito de desapego, mas doando-o ativa e intencionalmente. 

Então, naturalmente, isto irá despertar alguma resistência por parte dos nossos padrões habituais de apego ao ego, que estão fortemente focados na autopreservação e no comportamento de interesse próprio. Assim, embora a prática da dedicação seja aparentemente bastante simples e familiar para a maioria dos praticantes budistas, praticar a dedicação autenticamente não é tão simples. E como veremos, cultivar a capacidade de dedicar-se autenticamente pode até ser considerado o ápice ou coroação da nossa prática. 

Então, com isso em mente, vamos reservar um momento para ajustar nossa motivação e intenção sobre como gostaríamos de abordar juntos esse assunto a próxima hora. 

[Pausa]

Existem dois temas para esta semana. Em primeiro lugar, dedicação, e de acordo com o título da nossa semana, vamos dedicar a maior parte do nosso tempo ao tema da dedicação. Revisaremos os fundamentos da dedicação conforme apresentados na prática do ngöndro e, em seguida, exploraremos como seria uma prática de dedicação mais não-dual. E em segundo lugar, Terras Puras. Como veremos, uma parte importante da dedicação no Pranidhana-Raja inclui dedicar o mérito para que possamos renascer na terra pura de Sukhavati, de Amitabha. Então também passaremos algum tempo falando sobre como podemos entender o conceito de Terras Puras. 

Dedicação seguindo os bodhisattvas e budas (Versículos 55 – 56)

4. Dedicação dos méritos desta aspiração meritória

4.1. Dedicação para seguir os bodhisattvas
[55] Assim como o bodhisattva Mañjushri alcançou a onisciência,
E Samantabhadra também
Todos esses méritos agora eu dedico
Para treinar seguindo seus passos.

4.2. Dedicação para seguir os Budas
[56] Assim como todos os budas vitoriosos do passado, presente e futuro
Louvam a dedicação como suprema,
Igualmente dedico todas essas raízes de virtude
Para todos os seres aperfeiçoarem Boas Ações.

Nestes dois versos dedicamos o mérito de termos feito essas aspirações para que possamos seguir a aspiração e conduta de Mañjushri e Samantabhadra, incluindo a forma como praticaram a dedicação durante suas próprias jornadas no caminho do bodhisattva. Também assumimos a aspiração ou o compromisso de dedicar o mérito da mesma forma que os Budas do passado, do presente e do futuro dedicam o seu mérito. 

Estes versos são semelhantes aos versículos 41 a 44 dos quais falamos na semana passada, onde aspiramos fazer aspiração no caminho de todos os Budas e bodhisattvas dos três tempos, e em particular no caminho de Samantabhadra e Mañjushri. Ao aspirar desta forma, a nossa aspiração abrange todas as vastas e profundas aspirações destes seres iluminados, mesmo aquelas que não podemos realmente compreender no momento. É como uma apólice de seguro, uma forma de garantir que não deixaremos inadvertidamente nada fora de nossas aspirações. 

Igualmente, aqui nos versículos 55 e 56, dedicamos da mesma maneira que Mañjushri, Samantabhadra e todos os Budas dos três tempos, aspirando seguir seus passos. Isto ajuda a garantir que a nossa dedicação seja completa e abrangente, mesmo que a sua prática de dedicação seja vasta e profunda de formas que vão além da nossa atual compreensão e realização. 

Dedicação é mais que gratidão

Durante seu ensinamento sobre Pranidhana-Raja em Bodh Gaya em 2023, Dzongsar Khyentse Rinpoche disse: “Em termos de como dedicar o mérito, não há nada que as pessoas não possam entender”. No entanto, assim como a própria atenção plena, só porque algo é simples não significa que seja fácil. Portanto, vamos revisar os fundamentos da prática da dedicação antes de considerarmos como seria uma compreensão e uma prática de dedicação mais não-dual. 

O primeiro desafio para iniciantes como nós é que podemos facilmente confundir a prática da dedicação com práticas seculares como gratidão, apreço e ação de graças, com as quais talvez estejamos mais familiarizados. A gratidão está aparentemente em toda parte no mundo contemporâneo. Do bem-estar e da psicologia e livros de autoajuda até sessões de terapia, e por boas razões. A gratidão ajuda a reduzir emoções negativas como inveja e ressentimento, melhora a saúde mental e a positividade e fortalece os relacionamentos. O seu oposto, a falta de gratidão, está frequentemente associado a uma vida menos satisfatória e mais conturbada. Costuma-se dizer que se você resumisse toda a psicologia positiva em apenas uma ideia, essa seria a gratidão. E, de fato, tanto a dedicação como a gratidão envolvem uma apreciação reflexiva das bênçãos, das experiências positivas e das boas ações bem executadas, tendo algo importante em comum. 

No entanto, embora estas duas práticas partilhem semelhanças superficiais, os seus fundamentos filosóficos e intenções são profundamente diferentes. A gratidão tem a ver com benefícios psicológicos pessoais que advêm do reconhecimento e da apreciação do que se recebeu. Em contraste, dedicar mérito está enraizado na visão de interdependência e vazio. Transcende o benefício pessoal e envolve direcionar o carma positivo obtido através de ações virtuosas para a iluminação e libertação de todos os seres sencientes. 

Na mesma linha, devemos evitar confundir dedicação com práticas como degustação, que consiste em desfrutar ativamente e prolongar experiências positivas, e que é frequentemente ensinado juntamente com a apreciação e a gratidão em muitas práticas modernas de mindfulness. E embora degustar possa de fato ser benéfico num contexto psicológico, pode facilmente ser mal compreendido e mal aplicado de forma a prejudicar a prática budista da atenção plena. No Budismo, a atenção plena baseia-se numa atitude de desapego, onde o objetivo é observar as experiências sem se apegar a elas. E em vez de degustar experiências, somos encorajados a deixá-las ir, da mesma forma que um praticante Vajrayana oferece uma mandala. Na verdade, em práticas mais avançadas, somos até encorajados a pôr de lado ativamente as chamadas experiências positivas, nos afastando delas como se cuspiríamos no pó. 

Portanto, antes de prosseguirmos, tenhamos certeza de que a nossa prática de dedicação não é algo parecido com gratidão ou apego a experiências positivas, sendo que ambos correspondem a cair no extremo eternalista de solidificar, reificar e apegar-se à realidade. E, claro, também queremos ter cuidado para não cair no extremo niilista. Como acontece com qualquer prática espiritual, também existe o risco de praticarmos a dedicação como uma forma de contornar o espiritual. Isto se refere à tendência, infelizmente muito comum, de se envolver nas chamadas práticas espirituais como forma de evitar o confronto com questões psicológicas não resolvidas e emoções negativas. O desvio espiritual pode, por vezes, criar uma aparência superficial de calma e paz, mas à custa de questões não resolvidas que acabarão por minar o nosso progresso no caminho do bodhisattva. Assim como acontece com o resto da nossa prática, é importante que sejamos autoconscientes e honestos com nós mesmos sobre o que realmente estamos fazendo quando praticamos a dedicação e assim garantir que nossos alicerces sejam sólidos. 

Bom no começo, meio e fim

Vejamos a forma como a dedicação é apresentada no Budismo. Na Semana 2 falamos sobre a importância dos Três Métodos Supremos, que são bons no começo, bons no meio e bons no final. Esses três são uma base essencial para qualquer prática ou atividade de Dharma em que possamos nos envolver, desde a oferta de uma única vela até uma extensa prática de ngöndro ou sadhana, ou mesmo em nossas atividades pós-meditação em nosso trabalho e relacionamentos na vida cotidiana. Os três métodos supremos são articulados numa citação popular de Longchenpa:

Comece com bodhichitta, faça a prática principal sem conceitos,
conclua dedicando o mérito. Estes juntos e completos
São os três apoios vitais para progredir no caminho da libertação.

Como diz Longchenpa, em qualquer prática Mahayana, como recitar este Pranidhana-Raja, começamos com bodhichitta, a aspiração de alcançar a iluminação para o benefício de todos os seres. E não aspiramos apenas ser capazes de trazer-lhes benefícios relativamente mundanos, mas também o benefício final da iluminação. Da mesma forma, quando chegarmos à dedicação ao final de qualquer atividade ou prática, despertaremos novamente a bodhichitta. Dedicamos qualquer mérito que possamos ter gerado, não apenas à nossa própria iluminação, mas também para o benefício e à iluminação de todos os seres sencientes.

E embora a intenção altruísta de dedicar não seja diferente daquela de aspirar, para muitos de nós ela vai mais fortemente contra nossos hábitos. Sim, como praticantes, todos sabemos que a nossa prática budista visa minar e desafiar os nossos hábitos de auto-apego e ego. Mas todos nós crescemos no mundo convencional e todos aprendemos alguma versão da regra de que boas e más ações levarão a recompensas e punições. Dizemos aos nossos filhos que se eles forem bons e legais, lhes daremos algum tipo de recompensa, assim como nossos pais nos disseram quando éramos crianças.

Toda a lógica dos presentes de Natal funciona assim. Papai Noel verifica sua lista para ver quem foi travesso ou gentil, e as crianças boas são recompensadas com presentes. E mesmo que não tenhamos crescido numa cultura que celebra o Natal, todos fazemos parte de sistemas que funcionam da mesma forma. Sabemos que devemos recompensar os bons motoristas do Uber com classificações de cinco estrelas e ficamos desconfiados quando a classificação de um motorista cai muito abaixo de cinco. Esperamos receber um bônus se nossa avaliação anual de desempenho no trabalho for boa. Podemos até esperar receber uma promoção. Em outras palavras, compreendemos e valorizamos intuitivamente o sistema de recompensas, mesmo que nem sempre seja perfeitamente justo ou meritocrático. Todos nós aprendemos que vale a pena ser bom no começo e bom no meio para recebermos nossa recompensa no final. 

Mas a prática da dedicação mina toda esta lógica da forma mais radical. Praticamos diligentemente para acumular mérito e bom carma – que é talvez o nosso bem mais precioso e valioso, porque, ao contrário da riqueza e do poder mundanos, esta é a única coisa que nos permite progredir no nosso caminho budista. E, no entanto, agora estamos sendo solicitados a entregar tudo, inclusive e especialmente a outros seres sencientes que nem sequer fizeram qualquer prática, ou que estão ativamente causando danos ao mundo. Eles podem nem ser pessoas de quem gostamos. Este não é o jeito do Papai Noel. Portanto, não devemos ficar muito surpresos se não considerarmos a prática da dedicação pelo menos um tanto irracional e injusta, porque vai contra uma vida inteira de condicionamento comportamental. E igualmente, não deveríamos ficar surpresos se nossos egos tentassem distorcer o que deveria ser uma prática altruísta em algo que acaba parecendo mais uma recompensa pessoal. 

Se você já assistiu a um ensinamento budista, é bem provável que tenha testemunhado o espetáculo de estudantes tentando conseguir os melhores lugares na frente, bem ao lado do professor. Às vezes, isso pode parecer uma luta aparentemente de vida ou morte de hóspedes de hotel excessivamente competitivos que tentam conseguir as melhores espreguiçadeiras na piscina ou na praia. Portanto, isso deve levar a uma pausa. Afinal, se nem sempre somos capazes de praticar o altruísmo e o desapego, mesmo em ambientes onde estamos cercados por imagens budistas e lembretes do caminho, não deveria ser surpreendente se, às vezes, ficarmos aquém do que temos de melhor em termos de qualidade em outros momentos e ocasiões. 

Rinpoche costuma dizer que quando recitamos a aspiração da Bodhichitta de libertar todos os seres sencientes, às vezes isso pode acabar sendo apenas uma mera recitação de palavras. Os versos são tão vastos e grandiosos que às vezes não nos tocam realmente. Então ele sugere que podemos começar tentando ser genuinamente gentis com apenas uma pessoa, por exemplo, a pessoa mais próxima de nós em nossa vida mundana comum. E então podemos estender a partir daí. Da mesma forma, da próxima vez que estivermos num ensinamento de Dharma, talvez possamos praticar a dedicação do mérito de poder assistir ao ensinamento, oferecendo os melhores lugares para outra pessoa. 

Afinal de contas, se a nossa dedicação não for uma expressão de altruísmo genuíno, desapego e Bodhichitta, será muito fácil cairmos novamente em velhos hábitos egóicos e a nossa prática do Dharma tornar-se egoísta e, em última análise, infrutífera. É claro que este não é apenas um problema contemporâneo, mas um desafio atemporal para a natureza humana. A tradição Zen tem uma história sobre isso, chamada Recitação de Sutras:

Recitação de Sutras
Um fazendeiro pediu a um sacerdote Tendai que recitasse sutras para sua esposa, que havia morrido. Após o término da recitação, o fazendeiro perguntou: ‘Você acha que minha esposa ganhará mérito com isso?’
“Não apenas sua esposa, mas todos os seres sencientes se beneficiarão com a recitação dos sutras”, respondeu o sacerdote.
‘Se você disser que todos os seres sencientes serão beneficiados’, disse o fazendeiro, ‘minha esposa pode estar muito fraca e outros se aproveitarão dela, obtendo o benefício que ela deveria ter. Então, por favor, recite sutras só para ela.’
O sacerdote explicou que era desejo de um budista oferecer bênçãos e desejar mérito a todo ser vivo.
“Este é um excelente ensinamento”, concluiu o agricultor, “mas por favor abra uma excepção. Tenho um vizinho que é rude e cruel comigo. Apenas exclua-o de todos aqueles seres sencientes.”

Dedicação à maneira dos grandes bodhisattvas Samantabhadra e Mañjushri

Nos versículos 55 e 56, aspiramos dedicar nossa prática à maneira dos grandes bodhisattvas como Samantabhadra e Mañjushri. Então, vamos explorar o que isso significa com um pouco mais de profundidade. E aqui vou recorrer em particular a três comentários sobre ngöndro: o comentário sobre ngöndro de Dzongsar Khyentse Rinpoche, “Não é para a Felicidade”; o comentário sobre ngöndro de Sua Santidade Dudjom Rinpoche, “Uma Tocha Iluminando o Caminho para a Liberdade” e o comentário sobre ngöndro de Patrul Rinpoche, “As Palavras do Meu Professor Perfeito”.

(1) Altruísmo

Primeiro, altruísmo. Como já discutimos, precisamos de garantir que a nossa dedicação seja genuinamente altruísta e dirigida a todos os seres sencientes, tanto para o seu benefício relativo como para a iluminação final. É claro que é mais fácil falar do que fazer, principalmente quando se trata de direcionar nosso mérito para pessoas de quem não gostamos ou que não gostam de nós. Mas o caminho do bodhisattva é rico em meios hábeis para nos ajudar a cultivar esse hábito. E se você quiser explorar isso mais a fundo, leia o “Caminho do bodhisattva” de Shantideva, o Bodhicharyavatara. 

(2) Vastidão

Outro aspecto da dedicação à maneira de Samantabhadra é tornar a nossa dedicação genuinamente vasta, conforme falamos na semana passada, especialmente em nossa discussão sobre maximalismo e minimalismo na prática budista. Então, por exemplo, não dedicamos apenas o mérito de nossas ações ou práticas virtuosas que acabamos de concluir, mas todas as fontes de bem que acumulamos no passado, que estamos acumulando no presente, e que acumularemos no futuro. Em outras palavras, também dedicamos o mérito que talvez tenhamos esquecido de dedicar em todas as nossas vidas passadas, e até mesmo o mérito futuro que ainda nem geramos. E da mesma forma, não dedicamos apenas todas as fontes do bem provenientes de nossas próprias ações, mas também aquelas provenientes das boas ações de todos os outros seres nos três tempos. À primeira vista, pode parecer um pouco estranho doar algo que talvez nem tenhamos obtido ou que não é nosso. Mas, como vimos na semana passada, como praticantes da visão não-dual, precisamos de nos habituar a este tipo de pensamento vasto. 

No seu comentário, Dudjom Rinpoche diz que podemos dedicar ações positivas independentemente de quando são realizadas, de quem as realiza ou da forma que assumem. E essas ações positivas podem ser classificadas segundo cinco grupos de três critérios:

  • Primeiro, podemos classificá-los em termos de três tipos de executores. Existem ações positivas realizadas por você mesmo, aquelas realizadas por outros e aquelas realizadas por ambos. 
  • Em segundo lugar, em termos dos três tempos. Existem boas ações realizadas no passado, aquelas que estão sendo realizadas no presente e aquelas que serão realizadas no futuro. 
  • Terceiro, em termos das três maneiras pelas quais elas são realizadas. Existem boas ações realizadas com o corpo, com a fala e com a mente. 
  • Quarto, em termos da ação real que é meritória. Existe virtude que surge da doação, da disciplina e da meditação. 
  • Quinto, em termos do efeito totalmente amadurecido. Existem atos positivos consistentes com os fins mundanos, aqueles consistentes com a libertação – em outras palavras, o nirvana, que é o objetivo do caminho Shravakayana – e aqueles consistentes com a onisciência ou a iluminação completa, que é o objetivo do caminho Mahayana. 

Ele recomenda que todos esses cinco conjuntos de três possam e devam ser incluídos na dedicação da pessoa. E em particular, entre todos eles, ele destaca que o mais importante é o mérito que advém da meditação. Como todas as práticas budistas, a prática da dedicação também é um meio hábil, ou upaya. Faz parte do vasto kit de ferramentas do caminho Mahayana treinar nossas mentes e limpar a sujeira de nossas janelas. E a prática da meditação está no centro de como fazemos isso. 

(3) Vazio

Como vimos nas semanas anteriores, devemos sempre garantir que o nosso cultivo e prática de meios hábeis nunca estejam separados da sabedoria da não-dualidade. E em “As Palavras do Meu Professor Perfeito”, Patrul Rinpoche identifica este aspecto crucial da dedicação dizendo que devemos “Selá-lo com o vazio”. Então o que isso quer dizer? De acordo com a visão Mahayana de shunyata ou vazio, tudo está vazio de existência inerente. Isto inclui ações (como realizar uma boa ação), o conceito de mérito (em outras palavras, o valor cármico positivo atribuído a essas ações) e também as entidades envolvidas (como doação, doador e receptor). Todos estes são rótulos conceituais que aplicamos aos eventos interdependentes da nossa experiência. No entanto, embora o mérito, as ações e as identidades sejam todos vazios, ainda funcionam e têm efeitos através do princípio da origem interdependente. 

Em seu livro “Não é para a Felicidade”, Dzongsar Khyentse Rinpoche explica que enquanto praticamos ou realizamos atividades do Dharma, devemos permanecer constantemente conscientes de que tudo o que fazemos e vivenciamos é ilusório. Ele dá o exemplo de que se picarmos a nossa carne, sentiremos dor. A dor parece real, porque estamos muito acostumados com a ideia de que os fenômenos existem de verdade. Portanto, para contrariar esta tendência, precisamos de nos habituar à ideia de que todas as nossas experiências, sentimentos, pensamentos e ações são interpretações criadas pela nossa mente. Aqui, novamente, Rinpoche está falando sobre selar nossa experiência com o vazio – a verdade de que nenhum fenômeno tem qualquer identidade ou natureza própria verdadeiramente existente. Em outras palavras, qualquer realidade ou verdade aparente que possamos perceber ou imputar é criada por nossas próprias mentes. 

Ser capaz de selar consistentemente nossa prática com o vazio significa nos acostumarmos com a visão e a prática de selá-la com o vazio. E acostumar-se com essa visão e prática significa nos lembrarmos disso continuamente. Não importa quão simples seja a nossa atividade de Dharma, por exemplo, oferecer uma flor ao nosso professor, podemos nos lembrar que embora aspiremos a acumular mérito fazendo a oferenda, na realidade a ideia ou história de que estamos acumulando mérito é em si uma criação. da nossa mente. Não existe uma atividade verdadeiramente meritória, boa ou “santa”. Se conseguirmos nos acostumar com esse modo de pensar, isso terá um efeito profundo no modo como funcionamos, até porque seremos menos vezes apanhados em impurezas como o orgulho e o ciúme. E assim, como diz Rinpoche, quando nosso professor jogar no chão a flor que oferecemos sem sequer olhar para ela, não nos importaremos nem um pouco. 

Da mesma forma, por causa do vazio, somos livres para escolher a nossa atitude em todos os momentos. Portanto, somos livres para escolher uma atitude vasta e grandiosa em relação à nossa dedicação. E como diz Rinpoche, devemos ser ambiciosos aqui. Não devemos nos contentar com a simples gentileza quando nada menos do que a mente plena de Bodhichitta é o que é necessário. Quanto maior for a visão, mais mérito acumularemos, mesmo quando tudo o que fizermos for acender uma vela. E aqui, como diz Rinpoche:

  • Se você acender uma vela apenas para decorar a sala, sua motivação será a de uma pessoa comum.
  • Se você acendê-la e dedicar o mérito para promover seu próprio progresso no caminho para que possa eventualmente escapar do samsara, você compartilha a atitude cultivada pelos praticantes de Shravakayana.
  • Se você acender a vela e dedicar o mérito à iluminação de todos os seres sencientes, sua atitude será a mesma dos praticantes Bodhisattvayana ou Mahayana.
  • E se você considera a vela a luz da sabedoria que ilumina todos os seres sencientes, com a dedicação de que onde quer que sua luz caia se torne a mandala, essa é a atitude de um praticante tântrico.

Contudo, como diz Rinpoche, na maioria das vezes parecemos incapazes de nos lembrar dessas instruções e, mesmo quando o fazemos, as nossas tentativas de colocá-las em prática muitas vezes tornam-se desnecessariamente complicadas. Rinpoche diz: “Tenho ouvido muitos praticantes hoje em dia dizerem que querem fazer retiros longos ou fazer oferendas enormes ao seu professor, ou algum outro gesto grandioso que acumule uma grande quantidade de mérito de uma só vez. Na prática, porém, eles não têm tempo nem recursos para fazer absolutamente nada. E, ironicamente, tais gestos não são realmente necessários. Tudo o que qualquer um de nós precisa fazer para acumular um vasto tesouro de mérito é selar cada ação nossa com a aspiração e dedicação da Bodhichitta”. Desta forma, mesmo oferecendo uma única flor enquanto pensa: “Que esta oferenda beneficie todos os seres sencientes”, você acumulará mérito imensurável. 

Dedicação requer atenção plena e consciência

Em seu comentário sobre ngöndro, “Uma tocha iluminando o caminho para a liberdade”, Dudjom Rinpoche explica que ações positivas realizadas desde o Oitavo Bhumi até o nível de Buda são todas benéficas em todos os aspectos, como Aryadeva explica em seus 400 versos sobre o Caminho do Meio. :

Quando você, o Bhagavan, faz um movimento
Nunca é sem razão:
Mesmo as respirações que você faz
São exclusivamente para o benefício dos seres.

Como este versículo nos diz, mesmo quando os budas e bodhisattvas nos bhumis puros apenas inspiram e expiram, isso é exclusivamente para o benefício dos outros. Para eles não existe um instante que não tenha sentido. Sua aspiração, ação e dedicação são todas realizadas espontaneamente. Mas bodhisattvas iniciantes como nós, que estão no Caminho da Conduta Aspirante (em outras palavras, antes de atingir o Primeiro Bhumi), precisamos cultivar intencionalmente e nos habituar à prática da dedicação. Tal como um iaque faminto que come erva, devemos aproveitar todas as oportunidades para o fazer. Assim, como diz Dzongsar Khyentse Rinpoche, embora a dedicação seja tradicionalmente feita no final da nossa prática, não precisamos esperar pelo final da nossa sessão de prática antes de nos dedicarmos. Podemos dedicar a qualquer momento, por exemplo após cada prostração, para que possamos ter certeza de que nenhum mérito que geramos será desperdiçado.

É claro que não podemos dedicar nenhuma ação se estivermos distraídos. Idealmente, nossa prática alcançará o estágio em que teremos atenção plena e consciência ininterruptas e contínuas. Mas agora muitos de nós nos distraímos facilmente. Portanto, como principiantes, podemos e devemos tirar partido dos inícios e finais óbvios na nossa prática e na nossa vida quotidiana, e usá-los como lembretes para aspirar e dedicar. E, a propósito, este também é um conselho padrão na ciência comportamental contemporânea sobre como construir hábitos positivos. Se estivermos engajados em sessões práticas formais, isso será ainda mais direto, pois nossos textos de prática geralmente terão versos específicos que recitamos para estabelecer aspirações e fazer dedicação. Então, mesmo no pior dos casos, temos pelo menos duas oportunidades para lembrar – no início e no final da nossa prática – onde podemos fazer uma pausa e invocar a bodhichitta genuína que é o cerne da aspiração e da dedicação autênticas. E esperamos que estejamos suficientemente atentos para nos lembrarmos de inserir oportunidades adicionais para nos dedicarmos ao longo da nossa prática e, na verdade, durante o resto do nosso dia. 

À medida que avançamos no nosso caminho, podemos seguir os conselhos práticos que os mestres nos deram para a meditação em si, nomeadamente fazer as nossas dedicatórias “curtas, mas frequentes”. Dessa forma, o hábito da dedicação ficará internalizado em nosso jeito de ser. Na verdade, se vamos praticar o “bom no meio”, precisamos de nos envolver na nossa prática sem conceitos, o que também requer a prática contínua de atenção plena. Em outras palavras, nossa prática precisa incluir shamatha (permanecer sem distração) e vipassana (manter a visão não-dual do vazio ou shunyata). Portanto, não vamos menosprezar a aparente simplicidade da prática de shamatha, porque para selar a nossa prática com o vazio, precisamos da não-distração de samatha como um precursor para termos a visão não-dual de vipassana que é o selo. 

Então, para recapitular, como disse Dudjom Rinpoche, a forma mais importante de mérito é o mérito que vem da meditação. E como disse Dzongsar Khyentse Rinpoche, mesmo oferecendo de forma consciente e sem distrações apenas uma única flor com a atitude de bodhichitta e a visão da não-dualidade, acumulamos mérito imensurável. Assim, mesmo que aspiremos às vastas e grandiosas práticas do Mahayana e do Vajrayana, nunca devemos esquecer os fundamentos de shamatha e vipassana. E da mesma forma, nunca devemos desprezar os ensinamentos do Nobre Caminho Óctuplo como algo introdutório. Sim, isso foi ensinado como parte do primeiro ensinamento do Buda no Parque dos Cervos em Sarnath depois que ele alcançou a iluminação em Bodh Gaya, mas ainda nos serve como um guia valioso ao longo de nossa jornada. E, em particular, o Caminho Óctuplo é frequentemente categorizado em termos do Treinamento Tríplice (ou trishiksha), e podemos aplicar este Treinamento Tríplice quando praticamos a dedicação:

  • Prajña (treinamento em sabedoria): No Caminho Óctuplo, a categoria de prajña inclui as duas práticas de entendimento correto e intenção correta. Aqui no caminho Mahayana trata-se de cultivar a visão correta do vazio e da não dualidade. Quando somos capazes de selar a nossa dedicação com o vazio, a distinção entre o eu e os outros se dissolve. A dedicação não é mais vista como uma transação de quem dá para quem recebe, mas como uma expressão da interconexão fundamental de todos os seres. O mérito dedicado não é propriedade nem transferido, mas é entendido como um benefício universal do qual todos participam. 
  • Shila (treinamento em disciplina moral ou virtude): No Caminho Óctuplo, a categoria de shila inclui as três práticas de fala correta, ação correta e modo de vida correto. Aqui, no caminho Mahayana, a visão da disciplina moral e da virtude é expandida para a vasta e profunda aspiração da bodhichitta, que, como vimos, é uma parte essencial da prática da dedicação. 
  • Samadhi (treinamento em meditação ou contemplação): No Caminho Óctuplo, a categoria de samadhi inclui as três práticas de esforço correto, atenção plena correta e concentração correta. Nos caminhos Mahayana e Vajrayana, a atenção plena e a não distração não são menos vitais em nossa prática. Mas agora a nossa visão expandiu-se da atenção plena dualista do caminho Theravada para as práticas não-duais do Mahayana e do Vajrayana, que vão completamente além do sujeito e do objeto.

Então, para resumir, a prática autêntica da dedicação precisa ser fundamentada em todos esses três treinamentos – a visão do vazio, a aspiração da bodhichitta e o samadhi da não distração. E o mais importante é que esses elementos não são isolados ou sequenciais. Eles são continuamente praticados e refinados juntos. E com o tempo, a nossa prática integrada se aprofunda, levando a uma grande transformação na forma como vivenciamos a nós mesmos e o mundo, nos aproximando cada vez mais da dedicação autêntica e da realização da iluminação. 

Dedicação e aspiração: indo além da dualidade do tempo

No seu comentário sobre o ngöndro, Dudjom Rinpoche diz que a dedicação é essencialmente um pensamento – o de transformar fontes de bem na intenção de alcançar a iluminação – ao qual acrescentamos a força de palavras especiais. Ele cita um sutra chamado Matriz de Qualidades do Campo Búdico de Mañjushri:

Tudo depende da
intenção como condição:
quem faz uma prece de aspiração
realizará essa mesma prece.

E em seu comentário pergunta qual é, então, a diferença entre uma dedicação e uma prece de aspiração? E ele observa que a maioria dos estudiosos diz que esses dois são nomes diferentes para a mesma coisa. No entanto, Longchenpa esclarece acrescentando que para uma fonte de bem que já foi produzida, as palavras e a prece de aspiração juntas constituem uma dedicação, enquanto aspirar a uma fonte de bem que ainda não foi produzida é uma prece de aspiração. Por outras palavras, aspiração e dedicação são, na verdade, apenas duas palavras para a mesma coisa, diferindo apenas quando introduzimos as distinções dualísticas de tempo. 

Já vimos que quando selamos a nossa dedicação com o vazio, a distinção entre o eu e os outros se dissolve. Mas da mesma forma, todas as outras distinções dualísticas se dissolvem, incluindo as de tempo. E à medida que nos tornamos capazes de selar genuinamente a nossa prática desta forma, então dedicar mérito (que é tradicionalmente associado a ações passadas) e gerar aspirações (que é tradicionalmente associado a ações futuras) convergem numa prática única e unificada de intenções. Reconhecemos que a dedicação do mérito às ações passadas e a aspiração de se envolver em ações benéficas futuras são expressões de uma intenção compassiva e sábia que transcende o tempo. Portanto, quando dedicamos mérito, também estabelecemos a intenção ou aspiração de continuar a criar causas positivas no futuro. E, inversamente, quando fazemos uma aspiração, ela reflete uma continuação do potencial positivo gerado pelas nossas ações passadas. 

À medida que se aprofunda a nossa compreensão e realização da não dualidade do vazio, práticas como dedicar mérito e fazer aspirações são vistas não apenas como métodos para lidar com ações ou momentos individuais, mas como manifestações contínuas de uma mente iluminada que vê além do tempo e do eu convencionais. Já não vemos as nossas ações como limitadas por restrições temporais, mas sim como parte de uma expressão contínua e atemporal de compaixão e sabedoria. Esta perspectiva não só aprofunda a nossa prática, mas também aumenta o poder transformador destas práticas, reforçando o seu papel no caminho para a iluminação. 

Então, em um sentido muito real, podemos dizer que o Rei das Preces de Aspiração de Samantabhadra é também o Rei das Preces de Dedicação de Samantabhadra. À medida que as distinções de tempo se dissolvem, os finais tornam-se começos e os começos tornam-se finais. Nas palavras de “Little Gidding”, um dos meus poemas favoritos de TS Eliot:

Não cessaremos de explorar
E o fim de toda nossa exploração
Será chegar onde começamos
E conhecer o lugar pela primeira vez.

Dedicação com a mais alta visão não-dual

Assim, como vimos, ao selar a nossa dedicação com o vazio, vamos além das distinções entre nós e os outros, as distinções entre passado e futuro, e até mesmo as distinções de aspiração e dedicação. E como ouvimos nos ensinamentos fundamentais sobre a atenção plena, quando permanecemos no presente, nos envolvemos plenamente com a nossa experiência imediata, reduzindo o arrependimento que decorre da preocupação com memórias passadas, e a ansiedade que vem com as nossas esperanças e medos sobre o que pode acontecer no futuro. Cultivamos um estado em que nossa mente está tranquila, sem distrações e em paz. 

Mas de acordo com os ensinamentos não-duais mais elevados do Mahamudra e do Dzogchen, ainda há mais um passo a percorrer. Estes ensinamentos falam do “quarto tempo”, que não é outro ponto ao longo da linha temporal linear do passado, presente e futuro, nem é apenas um presente alargado. Em vez disso, refere-se a uma compreensão experiencial do tempo que transcende completamente a divisão convencional em passado, presente e futuro. É uma realização do estado de consciência pura que não é condicionado por qualquer compreensão conceitual ou noção limitante, incluindo a noção limitante de tempo. Essa consciência é a natureza fundamental da mente. Não há tempo neste estado. É uma experiência de atemporalidade, onde as dualidades convencionais do tempo se dissolveram. 

E isto é importante se estivermos praticando o caminho não-dual. Quando temos pelo menos uma compreensão intelectual do quarto tempo, isso ajuda a esclarecer os conselhos práticos onde nos dizem para não tentar prolongar momentos de experiência não-dual e de consciência pura. Nossos mestres nos dizem que o desejo de ampliar esses momentos de consciência não-dual é um resíduo infeliz da nossa prática dualista de atenção plena. Afinal, se somos capazes de ter uma experiência autêntica de consciência pura e do “quarto tempo”, então não faz sentido falar em tentar prolongar ou estender esta experiência, pois ela está literalmente além do tempo. Por uma questão de comunicação, ainda podemos falar de “descanso” na natureza da mente, mas idealmente vamos além da linguagem do permanecer e do não permanecer. Quando tentamos falar sobre esse estado, as palavras só podem nos faltar. Como disse Jigme Lingpa: “Assim que conversamos, tudo se torna contradição. Assim que pensamos, é tudo confusão.” 

Então, como seria a dedicação no contexto da atemporalidade do quarto tempo? Quando visto sob esta perspectiva, o mérito em si é entendido como algo vazio de existência inerente, e não algo que é acumulado e depois transferido. As ações que geram mérito são expressões da natureza búdica inerente que permeia todos os seres e todos os tempos. Dedicação não é enviar mérito de um ponto a outro, mas reconhecer e afirmar a não separação entre si e todos os outros seres. Abordamos uma compreensão mais não-dual da bodhichitta, onde a aspiração e a dedicação não estão focadas em reunir causas para resultados futuros, mas são uma expressão atemporal de iluminação. A nossa dedicação não visa afetar o futuro num sentido convencional, mas é, em vez disso, uma compreensão do momento presente da interligação de todos os fenômenos, que naturalmente abrange todos os tempos. 

Quando atingimos esta realização, operamos a partir de um estado de consciência espontânea e natural, onde todas as nossas ações estão naturalmente e sem esforço alinhadas com o bem-estar de todos os seres. E assim a nossa dedicação ao mérito torna-se uma forma de ser contínua e não conceitual, em vez de um ato deliberado realizado em momentos específicos. Cada ação, pensamento e palavra nossa serve naturalmente como uma dedicação de mérito, porque manifestamos continuamente as qualidades de um Buda. Esta forma de ser é uma manifestação direta do ideal do bodhisattva, onde ajudar os outros não está separado de qualquer outra atividade. 

Concluindo, quando a dedicação do mérito é entendida no contexto do quarto tempo, ela deixa de ser uma prática discreta e, em vez disso, torna-se uma qualidade integral e contínua de um relacionamento esclarecido com a realidade. Já não se trata de fazer algo específico, mas de estar num estado contínuo de dedicação, onde cada momento é uma expressão da união última de sabedoria e compaixão, para além dos limites do tempo convencional.

Dedicação ao Renascimento na Terra Pura de Amitabha (Versículos 57 – 60)

4.3. Dedicação para obter o resultado
[57] Quando chegar o tempo da minha morte,
Deixarei tudo o que me obscurece desaparecer,
Então eu verei Amitabha, em pessoa,
E irei imediatamente para sua terra pura de Sukhavati.
 
[58] Naquela terra pura, que eu possa realizar cada uma
De todas essas aspirações!
Que eu possa cumpri-las, todas e cada uma,
E levar ajuda aos seres enquanto o universo existir!

4.4. Dedicação para receber uma profecia dos Budas
[59] Tendo nascido lá em uma linda flor de lótus,
Naquele excelente e alegre reino búdico,
Que o próprio Buda Amitabha
Conceda-me a profecia que prediz minha iluminação!

4.5. Dedicação para servir aos outros
[60] Tendo recebido a profecia,
Com meus bilhões de emanações,
Manifestas através do poder da minha mente,
Que eu possa trazer enormes benefícios aos seres sencientes, em todas as dez direções!

Nos versículos 57 e 58, estamos dedicando o mérito para que um dia, quando morrermos, irmos para Sukhavati, a Terra Pura de Amitabha. Assim que renascermos na Terra Pura de Sukhavati, continuaremos a beneficiar os seres e concretizar todas as aspirações que fizemos. No versículo 59, dedicamos ainda mais o mérito para que o Buda Amitabha nos conceda a profecia de que alcançaremos a iluminação no futuro. E no versículo 60, dedicamos o mérito para que através do poder de ter recebido esta profecia, possamos manifestar inúmeras formas para beneficiar outros seres através do poder da nossa mente. 

A visita de Rinpoche a um templo da Terra Pura na China

Ao ensinar sobre o Pranidhana-Raja em Vancouver em 2024, Rinpoche contou a história de como havia visitado o mosteiro principal da Escola Terra Pura na China alguns anos antes. Ele disse: “Quando entrei, eles estavam entregando a todos os turistas panfletos com uma explicação do Budismo da Terra Pura, que dizia algo sobre Amitabha e o paraíso budista. E você se lembra de como falamos anteriormente sobre como os bodhisattvas precisam aprender a se comunicar com diferentes seres usando diferentes idiomas?” Rinpoche disse: “Acho que mesmo que a palavra ‘céu’ me incomodasse um pouco, pensei: ‘Sim, por que não?’ E então, quando entrei, vi que o templo é um dos templos mais bonitos. Tem tantos lindos caracteres chineses escritos em caligrafia antiga.” Rinpoche tinha um bom tradutor com ele e pediu-lhe para traduzir muitos dessas citações. E Rinpoche disse: “Eu estava pensando, se eles apenas traduzissem alguns delas e as colocassem no panfleto, em vez de falar sobre o “paraíso budista”. Mas eu entendo porque alguns dos conteúdos dos ensinamentos da Terra Pura talvez não sejam tão fáceis de digerir pelas pessoas.” 

No entanto, é mencionado diversas vezes neste Pranidhana-Raja que quem fizer esta aspiração entrará em Sukhavati, a Terra Pura de Amitabha. Portanto, deveríamos passar alguns momentos conversando sobre isso. E aqui, Rinpoche disse que migrar é uma coisa para os seres sencientes. Você pode ver isso se caminhar por uma rua comercial no centro de uma cidade. É uma das emoções aflitivas ou destrutivas familiares que todos nós temos. A grama é sempre mais verde do outro lado. E isto tem estado conosco desde o início do dualismo. Todos nós fantasiamos em ir para outro lugar, um lugar melhor, uma terra de sonhos. Talvez em algum lugar como o Velho Oeste ou uma praia tropical, onde quer que seja. E, claro, para pessoas diferentes, existem diferentes terras de sonho. Mas as Terras Puras no Budismo não tratam de escapismo. Então, como devemos entendê-las?

Fazendo uma viagem para assoar o nariz em North Vancouver

Aqui Rinpoche deu um exemplo de como funciona a Terra Pura Mahayana. Ele disse que normalmente quando você vai a algum lugar, sempre há um objetivo, como ir para uma entrevista de emprego ou pegar um pacote ou ver um museu, algo assim. Ou para conhecer seu tio. Ou talvez para realmente se estabelecer lá. Ele disse: “Estou falando em um nível muito profundo, então esteja preparado. Estou apenas lhe dando um dos ingredientes da atmosfera da Terra Pura”. Então, após esta sessão, se você simplesmente caminhar por qualquer estrada e simplesmente seguir em frente, descobrirá que a atmosfera é muito pura. Não importa onde você vá. Você não tem nada para fazer. Não há lugar para chegar. 

Rinpoche disse: “Agora, se você precisa ter uma meta, que tal ir para North Vancouver só para assoar o nariz? Quando você chega lá, você assoa o nariz e depois volta. Aposto que esta será a viagem mais feliz”. Porque assoar o nariz não é grande coisa, certo? Ao chegar lá, você pode realmente agir cerimoniosamente, se quiser. E se você realmente quiser fazer isso com um ritual adequado, talvez você possa se levantar amanhã de manhã e vestir seu melhor vestido, como se fosse para a entrevista de emprego mais importante. Você pode passar os lenços, tudo em preparação para assoar o nariz. Faça um grande alarido sobre engomar. Depois pegue um táxi, caminhe ou pegue um barco. E claro, lembre-se, você está fazendo isso para o benefício de todos os seres sencientes. E então você chega ao norte de Vancouver, o lugar de onde você se afastará para sempre da sua secreção. Ele disse: “Estou tentando diluí-lo um pouco, mas este é na verdade um aspecto muito importante da Terra Pura”.

Ele continuou: “Mas eu entendo porque muitas pessoas, quando leem as descrições da Terra Pura, se distraem com coisas como pássaros que falam e piscinas”. E outro aspecto muito importante da descrição da Terra Pura é o chão sob seus pés. Supostamente, se você pressioná-lo, ele afunda. E se você tirar a pressão, ele volta novamente como um assento de sofá. E aqui, ele disse, você sabe, muitas dessas preces foram escritas há muitas centenas de anos, quando apenas um número muito pequeno de pessoas podia pagar por um assento no sofá. E imagine se todos os pássaros começassem a falar. Eu não acho que você teria um dia muito bom. Mas por favor leia os Sutras da Terra Pura de Amitabha. Eles são tão lindos. Mas você tem que pensar dentro deste contexto do pensamento além do comum do Mahayana. É tão lindo, de verdade. 

E mesmo que você não seja tão bem comportado nesta vida, contanto que você seja realmente devoto de todo o coração a Amitabha, você renascerá no reino de Amitabha dentro de um lótus. Embora o lótus possa não florescer imediatamente, você já está bem porque sabe que um dia desses ele irá florescer. Essas descrições são tão profundas. Precisamos de alguma forma comunicar a vasta e profunda visão Mahayana às pessoas comuns. E é assim que essas escrituras da Terra Pura comunicam isso. De qualquer forma, quando você ler a aspiração e a dedicação de renascer na Terra Pura de Amitabha, pense apenas em assoar o nariz no norte de Vancouver, e provavelmente isso fará um pouco mais de sentido. Claro, você ainda pode pensar em pássaros falantes, piscinas e tudo mais. Quaisquer coisas maravilhosas e belas que você possa imaginar: árvores, montanhas, lagos, turquesa, tudo isso. 

Deveríamos aspirar a renascer em Sukhavati?

Houve uma pergunta sobre Terras Puras em 2016 nos ensinamentos de Taipei. 

[P]: Nesta prece de aspiração, Samantabhadra aspira que, quando ele falecer, possa renascer na Terra Pura de Sukhavati de Amitabha. Então pensei que também deveríamos querer renascer lá. Mas quando ouvi seus ensinamentos, não pareceu que você estivesse encorajando as pessoas a renascerem em Sukhavati. Você pode dizer mais sobre isso?

[DJKR]: Parece que quando esses bodhisattvas aspiram, eles escolhem especificamente algum tipo de ponto de referência ou valor. Vou tentar explicar. Isso é um pouco difícil. Por exemplo, Avalokiteshvara supostamente abençoou seu nome. Ele aspirava que seu nome se tornasse o mais popular entre todos os bodhisattvas. E quem ouvisse seu nome teria algum tipo de conexão ou ligação com amor e compaixão. E parece que é verdade. Porque eu diria que entre todos os bodhisattvas, Avalokiteshvara é provavelmente o mais conhecido. Desde o Sri Lanka até à China e o Japão, há envolvimento com Avalokiteshvara em todo o lado. 

E a história do Budismo Terra Pura também começa com uma dedicatória. Acredita-se que há muitas eras, havia um monge chamado Dharmakara, e ele dedicou seu mérito para abençoar um lugar específico chamado Sukhavati, onde todos seriam atraídos para ir. É quase como se Sukhavati, o lugar, fosse ainda mais famoso que o próprio Amitabha, e certamente mais famoso que Dharmakara. Por exemplo, quantos de vocês desejam renascer na terra dos rabos de cavalo? Acho que você nem ouviu falar, não é? Esse é o Campo Búdico de Vajrapani, chamado Changlo Chen, que basicamente significa “A Terra dos Cabelos Compridos”. E quantos de vocês desejam ir para a Terra das Folhas Turquesa? É onde Tara está. Se houver alguns Nyingmapas aqui, talvez alguns de vocês desejem ir para a Montanha Cor de Cobre. E Rinpoche disse: “Para mim o lugar mais atraente é Khechara, que é a terra de Vajrayogini. Desde muito jovem fiquei muito atraído pela ideia de letras feitas de coral. E gosto da ideia de que se eu me dedicar de todo o coração a Vajrayogini, mesmo que eu esteja prestes a renascer no ventre de um burro, por exemplo, essa linda garota de 16 anos com um sindura na testa irá simplesmente agarrar meu pulso e me puxar para cima. Eu gosto disso.” E na verdade, mesmo a terra de Mañjushri também não é de se desconsiderar. Em muitos sutras é referido como Ngadré Zhing, que significa “A Terra do Som do Tambor”. Mas também se acredita que a terra de Mañjushri esteja realmente aqui neste planeta, em Wutaishan, que fica a cerca de cinco horas de carro de Pequim. “Estou falando sério”, disse Rinpoche, “não estou inventando isso”. 

Mas de qualquer forma, entre todos esses reinos puros, o reino de Amitabha parece estar no topo da lista. E Rinpoche disse: “Agora, enquanto falo sobre essas coisas, você pode pensar que um reino puro é algum tipo de conceito teísta ou religioso de céu. Mas não é assim no Budismo. Porque o reino Amitabha pode ser compreendido em muitos níveis diferentes. E como é afirmado nos sutras de Amitabha, no momento em que você fecha os olhos, você já está no reino Amitabha. Significa que o reino Amitabha está aqui e agora”. Mas para aqueles que não conseguem entender esses tipos de ensinamentos profundos, então sim, há menções como “Na direção oeste, onde o sol se põe, está o reino de Amitabha” e assim por diante. 

Então, em resposta à sua pergunta, o que devo dizer? Sukhavati é incluído aqui especificamente porque o Pranidhana-Raja é uma aspiração de beneficiar todos os seres sencientes de todas as maneiras, de acordo com as necessidades específicas de cada ser senciente. E assim, enquanto aspiramos entrar em campos de Buda semelhantes aos oceanos, também podemos aspirar a entrar no reino de Amitabha. Esse é o mais popular e de fácil acesso dos reinos puros. E acho que é por isso que está incluído aqui especificamente. 

Conclusão (versículos 61 – 63)

5. Conclusão

[61] Por quaisquer pequenas virtudes que obtive
Ao recitar esta “Aspiração às Boas Ações”,
Que os desejos virtuosos das preces e aspirações de todos os seres
Sejam todos instantaneamente realizados!
 
[62] Por meio do mérito verdadeiro e ilimitado
alcançado ao dedicar esta “Aspiração às Boas Ações”,
Que todos aqueles que agora estão se afogando no oceano de sofrimento,
Alcancem o reino supremo de Amitabha!
 
[63] Possa este, que é o Rei das Preces de Aspiração, assegurar
o objetivo e benefício supremo de todos os infinitos seres sencientes;
Se aprimorando conforme descrito nesta prece sagrada, proferida por Samantabhadra!
Que os reinos inferiores sejam totalmente esvaziados!

Isso completa as Preces do Rei das Aspirações, a “Aspiração às Boas Ações” de Samantabhadra.

No versículo 61 dedicamos o mérito de recitar o Pranidhana-Raja para que os desejos e aspirações virtuosos de todos os seres sejam realizados instantaneamente. No versículo 62 dedicamos o mérito para que não apenas eu, mas todos os seres renasçam na terra pura de Sukhavati de Amitabha. E a dedicatória final vem no versículo 63, que foi acrescentado pelos tradutores tibetanos e não aparece nas versões chinesa ou sânscrita da prece. Mais uma vez dedicamos o mérito e aspiramos que através do benefício desta prece, todos os seres possam se beneficiar e que todos os reinos inferiores, como os reinos do inferno, sejam esvaziados. E assim chegamos ao fim do Pranidhana Raja. 

Gostaria de encerrar esta semana com algumas histórias Zen. Voltando à imagem desta semana de soltar um pássaro, a primeira história é um lindo exemplo do que significa abrir mão de uma boa ação:

Estrada Lamacenta
Certa vez, Tanzan e Ekido viajavam juntos por uma estrada lamacenta. A chuva forte ainda caía.
Ao fazerem uma curva, encontraram uma linda garota de quimono e faixa de seda, incapaz de atravessar o cruzamento.
“Vamos, garota”, disse Tanzan imediatamente. Levantando-a nos braços, ele a carregou sobre a lama.
Ekido não voltou a falar até aquela noite, quando chegaram a um templo de hospedagem. Então ele não conseguiu mais se conter.
“Nós, monges, não nos aproximamos de mulheres.” Ele disse a Tanzan, especialmente aos jovens e adoráveis. É perigoso. Porque você fez isso?’
“Eu deixei a garota lá”, disse Tanzan. ‘Você ainda a está carregando?’

A segunda história é uma história sobre “o bom no final”, contada com um daqueles exemplos Zen lindamente realistas:

Joshu lava a tigela
Um monge disse a Joshu: “Acabei de entrar no mosteiro. Por favor ensine-me.”
Joshu perguntou: “Você já comeu seu mingau de arroz?”
O monge respondeu: “Eu comi”.
Joshu disse: “Então é melhor você lavar sua tigela”.
Naquele momento o monge foi iluminado.”

Então, vamos encerrar fazendo uma dedicatória. E esta semana usarei o adorável verso dedicatório de Nagarjuna:

Por este mérito que todos possam alcançar a onisciência.
Que derrotar o inimigo, o mal.
Das ondas tempestuosas do nascimento, da velhice, da doença e da morte – o oceano do samsara,
Que todos os seres sejam livres!

Vou te dar um momento para fazer a dedicação.

[Pausa]

Com isso, obrigado e espero vê-lo novamente na próxima semana para nossa última semana.


Nota: para ler as notas de rodapé, clique nos números sobrescritos

Transcrito e editado por Alex Li Trisoglio
Tradução para o português por Alvaro Luis Campos