🇬🇧 English 🇵🇹 Português 🇨🇳 简体字


Aspiração: Principal      Programa     Semana 1     Semana 2     Semana 3     Semana 4     Semana 5     Semana 6     Semana 7     Semana 8     Semana 9


Alex Li Trisoglio

Aspiração: Semana 3 – Fundação

30 de março de 2024
75 minutos

Referência: Rei das Preces de Aspiração de Samantabhadra, versículos 1 – 12

Video / Transcrição

Tradução para o português por Alvaro Luis Campos

Introdução à Semana 3

Envolver-se em preliminares para acumular mérito

Bem-vindo à terceira semana da nossa jornada explorando o Pranidhana-Raja e como ele serve como uma expressão profunda do caminho do bodhisattva em direção à iluminação para o benefício de todos os seres sencientes. A Semana 1 foi a introdução do programa, e na semana passada, na Semana 2, analisamos os versículos sobre os benefícios de recitar e praticar esta Prece do Rei da Aspiração. Já tocamos no foco do texto na aspiração infinita, e esta semana mergulharemos na importância das práticas preparatórias no cultivo das condições necessárias para o crescimento espiritual e a atualização desta aspiração infinita ou inconcebível. 

Esta semana cobriremos os primeiros doze versículos da prece que compõem a Oferenda dos Sete Ramos. Este é um conjunto abrangente de práticas destinadas a purificar a mente e o coração – cultivar o mérito, purificar as negatividades e promover o desenvolvimento da bodhichitta – que é a mente que aspira à iluminação para o benefício de todos os seres sencientes. Como vimos nas semanas anteriores, o Pranidhana-Raja é profundamente reverenciado no Budismo Mahayana por sua profunda expressão da aspiração da bodhichitta e também por estabelecer as bases para a jornada infinita do bodhisattva. E no Budismo Tibetano, estes doze versos são frequentemente recitados como uma prece independente. 

A Oferenda dos Sete Ramos tem sete preliminares: prostração, oferenda, confissão, regozijo, solicitação aos Budas para girarem a roda do dharma, solicitação para que não entrem no nirvana e dedicação. Cada prática aborda aflições e obstáculos cármicos específicos, funcionando como antídotos que preparam o praticante para a profunda aspiração à iluminação. Para aqueles que são praticantes do ngöndro, vocês também reconhecerão essas práticas como os fundamentos do ngöndro ou das práticas preliminares. E da mesma forma que a prática do ngöndro no Vajrayana nos permite acumular o mérito para praticar sadhana com sucesso, esses doze versos poderiam ser considerados como um ngöndro para o próprio Pranidhana-Raja – nos permitindo um envolvimento mais pleno nos versos inconcebíveis que estão à nossa frente. 

Abordando os versículos tanto em um nível relativo quanto em um nível mais definitivo

Esta semana passaremos por essas sete preliminares tanto no nível mais relativo e material quanto no nível da vacuidade e da não-dualidade — vendo-as ambas como uma preparação para os versos posteriores que focam mais na vacuidade e na inconcebibilidade e também como uma expressão desta vasta visão Mahayana e uma oportunidade de integrar esta visão não-dual na prática, mesmo nestas chamadas preliminares. Portanto, a imagem desta semana é de ofertas inconcebíveis. 

Esta é também uma oportunidade para reconhecer a presença natural de dúvidas e hesitações no caminho espiritual. Estes versículos iniciais, embora sirvam como práticas preparatórias, são também uma oportunidade para refletirmos sobre as nossas próprias aspirações e dúvidas que podem surgir ao considerarmos como podemos nos comprometer com uma prática. Este tipo de reflexão não é um obstáculo, mas pode ser vista como parte integrante da jornada, aprofundando o compromisso e a compreensão do praticante. Esta sessão é também um convite a embarcar numa viagem interior que espelha a aspiração infinita do bodhisattva. Encorajo você a ver esses versículos não apenas como um objeto de estudo acadêmico, mas como uma oportunidade para um envolvimento profundamente pessoal com as práticas para cultivar o terreno para o despertar espiritual. E gostaria de encorajá-lo a abordar a sessão com abertura para vivenciar tanto as aspirações quanto as dúvidas como aspectos vitais do seu caminho. 

Vamos percorrer os versos com o coração de um bodhisattva que aspira beneficiar todos os seres sencientes e, como fizemos na semana passada, vamos reservar um momento para sintonizar a nossa motivação e definir a nossa intenção. 

[Pausa]

Prólogo

Então, vamos voltar aos versos. Ao apresentá-los, Dzongsar Khyentse Rinpoche disse: “Para tornar a sua aspiração poderosa ou mesmo para realmente ter a capacidade de aspirar, precisamos de alguns preparativos”. Ele disse “Essas são partes mais fáceis, então vou analisá-las bem rapidamente”, o que ele fez em geral. Mas direi que, uma vez que esses versos também cobrem material que já haviam sido abordados em seus ensinamentos sobre o Bodhicharyavatara (O Caminho do Bodhisattva) de Shantideva – e também nos ensinamentos de Longchen Nyingtik Ngöndro, ele na verdade ensinou esses tópicos de maneira muito grande profundidade há cerca de 20 anos. Eu não interpretaria suas palavras como uma implicação de que esses versículos são simplistas, mas sim que já temos muito material à nossa disposição para estudá-los e praticá-los. 

Ele disse que, para criar esta capacidade de aspirar, tentamos acumular mérito fazendo estas práticas dos sete ramos. E como budistas, somos seguidores de causa e efeito, então primeiro precisamos perseverar na reunião das causas e condições positivas necessárias para cumprir esta prece. E todos nós estamos fazendo o nosso melhor para cultivar a aspiração e colocá-la em prática, mas é claro que nem sempre funciona da maneira que pretendemos. E esta lacuna entre a nossa aspiração e a nossa ação é considerada falta de mérito ou falta de causas para concretizar a aspiração, o que nos remete aos hábitos e treinamentos. Para usar a analogia do alpinismo que usamos na semana passada, se não tivermos o equipamento certo ou se não tivermos investido adequadamente em nossa preparação física, talvez não consigamos completar a escalada. Porém os bodhisattvas não desistem diante dos desafios, eles redobram sua aspiração e sua prática para que as coisas sejam diferentes daqui para frente. 

Rinpoche também disse que podemos nos perguntar: “Por quanto tempo devemos aspirar?” E ele disse que existem inúmeros ou infinitos seres sencientes, tão infinitos quanto o céu, e tão infinitos quanto esses seres sencientes, há também um número infinito de contaminações e emoções, e assim a aspiração do bodhisattva também será infinita. Então, ao dizer: “Este é um projeto de longo prazo”, ele disse: “Na verdade, longo não é a palavra certa, este é um projeto para sempre. Deveríamos realmente desistir da ideia de obter a iluminação, deveríamos, em vez disso, orar para que para todo o sempre sejamos praticantes deste Pranidhana-Raja e que esta seja a única coisa que faremos, que deveria ser a nossa aspiração”.

1. Prostração (versículos 1 – 2)

Assim, com esse contexto, o primeiro dos sete ramos é a prostração, que é os versículos 1 e 2 da prece. A prostração, que também envolve reverência, envolve mostrar respeito e veneração pelas Três Jóias: o Buda, o Dharma e a Sangha. As prostrações são atos físicos e mentais de humildade e devoção, reconhecendo as qualidades dos iluminados. 

1.1. Prostração
[1] A todos os budas, os leões da raça humana,
Em todas as direções do universo, no passado, presente e futuro:
A cada um de vocês, eu me prosto em homenagem;
A devoção preenche meu corpo, fala e mente.
 
[2] Pelo poder desta prece, aspirando por Boas Ações,
Todos os vitoriosos aparecem, vívidos diante de minha mente
E multiplico meu corpo tantas vezes quanto os átomos do universo,
Cada um se curvando em prostração a todos os budas.

Visualização e abordagem

Ao comentar estes versos, Rinpoche falou um pouco sobre a visualização. Ele disse que por causa do poder da aspiração, “Não leva muito tempo para reunir todos estes Tathagatas das dez direções e dos três tempos. No momento em que você quer aspirar, eles estão todos ali, prontos para serem sua testemunha, prontos para serem seu apoio”. E ele disse: “Eu acho que entre todas essas centenas e milhares de Budas, você não deve esquecer o Bodhisattva Samantabhadra, cavalgando silenciosamente este animal gigante, seu elefante”. Ele disse que sempre gosta de visualizar centenas de outros elefantes, movendo-se lentamente. Ele disse: “Não sei se você já viu elefantes. Eles são muito silenciosos. Eles são os maiores animais. Mas quando eles andam, você não percebe. E também eles têm os olhos mais lindos. Eles têm a maneira mais linda de olhar para você. Eles te veem, mas sempre fazem você sentir que não estão olhando para você”. Sim, então seria bom visualizar milhares de elefantes. Em tibetano isto é considerado uma “tendrel”, uma reunião auspiciosa de causas e condições que cria um bom resultado.

E a pessoa – nós mesmos – que oferece a prostração não é apenas um único ser humano fazendo uma única prostração, mas podemos nos imaginar nos manifestando em números infinitos, tantos quantos os átomos que poderiam existir em todo o universo. Poderíamos pensar nisso talvez como um método Vajrayana, mas este também é um modo de pensar Mahayana, uma atitude Mahayana. Então, primeiro com o corpo, oferecemos prostração pensando que existem tantos corpos quanto átomos no universo prostrando-se conosco. E a quem nos prostramos? Aos Budas do passado, do presente e até mesmo aqueles Budas que ainda não se tornaram Budas – os Budas do futuro. Então, como disse Rinpoche, mesmo aqui, logo no início, o conceito comum de tempo já está quebrado. Mesmo nestes primeiros versos, já estamos abraçando a visão vasta e inconcebível da não-dualidade. 

A essência da prostração é render-se. Quando nos prostramos, estamos nos rendendo mentalmente a uma pessoa que consideramos válida, a pessoa iluminada que não engana. Acho que vale a pena considerar: a quem, em nossas vidas comuns, estamos dispostos a nos curvar, por assim dizer? Quem desejamos imitar? Quem respeitamos? A quem nos entregamos? Quem estamos dispostos a seguir? Quem são nossos modelos? Ouso dizer, quem são os influenciadores do mundo online que acompanhamos? Talvez possamos nos perguntar: a quem estamos efetivamente nos prostrando, sem necessariamente pensar nisso nesses termos? 

A oferenda de sete ramos para praticantes de ngöndro

Voltando à visualização, em alguns dos outros comentários, diz-se que aqueles com faculdades mentais aguçadas podem pensar no conjunto de campos puros de budas e bodhisattvas na multidão das dez direções como estando presentes aqui mesmo conosco nesta sala. . No entanto, os comentários também dizem que, para iniciantes, é aconselhável visualizar o campo de acumulação ou o campo de mérito – com o qual aqueles que praticam ngöndro estão familiarizados – para que o objeto focal possa aparecer mais facilmente. É claro que, em última análise, adoraríamos poder praticar isso com infinitas cópias de nós mesmos, prostrados diante de infinitos budas e bodhisattvas em todos os tempos e direções. Mas, como principiantes, pode ser mais simples para nós imaginarmos apenas um único campo de mérito, um único Buda rodeado de bodhisattvas e seres sencientes, em vez de nos perdermos numa visualização demasiado complicada. E podemos aspirar que, à medida que a nossa prática se torna mais estável, mais sólida, possamos adicionar cada vez mais esta dimensão adicional de inconcebibilidade à nossa visualização. 

Como já mencionei, este é um texto Mahayana, mas sei que muitos de vocês que estão ouvindo isso são praticantes Vajrayana que praticam ngöndro ou Guru Yoga ou prática de sadhana. E há outros que estão interessados no caminho Vajrayana e ainda não são praticantes. Embora o Vajrayana esteja além do nosso alcance hoje, gostaria de dizer que, na minha opinião, é a técnica ou tecnologia mais profunda que conheço para atualizar a visão central Mahayana de “Forma é vazio, vazio é forma”. Em outras palavras, é a técnica mais profunda e poderosa que nos permite ir além da mera compreensão intelectual destas palavras – embora isso já seja difícil – e transformá-las em experiência vivida. E talvez ainda mais importante, pode ajudar a cultivar uma experiência vivida de vazio e não-dualidade, mesmo naqueles entre nós que lutam com a compreensão intelectual desta visão profunda.

Longchen Nyingtik Ngondro e Chetsün Nyingtik Ngondro

Assim, no espírito do ngöndro, quero voltar brevemente ao Longchen Nyingtik Ngöndro e às palavras do comentário, “Palavras do Meu Professor Perfeito” de Patrul Rinpoche, o Kunzang Lamé Shyalung. Você encontrará o comentário sobre a Oferenda de Sete Ramos na seção sobre Guru Yoga. E aqui Patrul Rinpoche diz:

Para esta prática, visualize que você está emanando cem, depois mil, e depois inúmeros corpos como o seu, tão numerosos quanto as partículas de poeira do universo. E ao mesmo tempo visualize que todos os seres, tão infinitos quanto o próprio espaço, estão prostrando com você.

Entre os alunos de Dzongsar Khyentse Rinpoche, alguns estão fazendo Longchen Nyingtik Ngöndro, alguns estão fazendo Chetsün Nyingtik Ngöndro e alguns estão fazendo outros ngöndros. E tanto no Longchen Nyingtik Ngöndro quanto no Chetsün Nyingtik Ngöndro, esta Oferenda de Sete Ramos aparece no Guru Yoga após a visualização e invocação inicial, e antes da súplica ou amadurecimento do siddhi, que por sua vez vem antes da invocação da bênção. Portanto, a localização da prece nesses guru yogas é a mesma, mas a linguagem, é claro, é bem diferente entre as diferentes práticas. E para a Oferenda dos Sete Ramos, o Chetsün Nyingtik Ngöndro tem uma linguagem que é menos dual, suponho que se poderia dizer. Então, no Longchen Nyingtik, a verso é:

Prostro-me, emanando tantos corpos
quantas forem as partículas de poeira em todo o universo.

E no Chetsün Nyingtik diz:

Prostro-me além do encontro e da separação.

Ideias como “além do encontro e da separação” podem ser difíceis de entender e colocar em prática, especialmente para iniciantes como nós. Voltaremos ao vazio repetidamente nas próximas semanas e esperamos aprofundar a nossa apreciação por palavras como estas. Mas o ponto chave em ambas as práticas é que a Oferenda de Sete Ramos existe para acumular mérito antes da súplica e invocar a bênção no Guru Yoga. Invocar a bênção nada mais é do que compreender a natureza da mente, que nada mais é do que perceber o vazio e a não-dualidade Assim, a forma de prática Vajrayana está fazendo algo muito semelhante ao que fazemos no Pranidhana-Raja. Em ambos os casos, começamos com práticas preliminares para acumular mérito, de modo que quando se trata de compreender a natureza da vacuidade – que é compreender a natureza da mente, que é receber as bênçãos do guru – tenhamos acumulado mérito suficiente para que esse estágio da nossa prática (ou seja, envolver-se nos versos mais orientados para o vazio do Pranidhana-Raja, ou receber as bênçãos do Guru Yoga) tenha um efeito mais profundo.

Uma aplicação diária: praticar no supermercado

Gostaria também de dar um exemplo cotidiano para cada um desses sete ramos. E encorajo você a pensar em como você pode encontrar maneiras em sua vida diária de dar vida a isso em suas atividades a cada momento. Consideremos o exemplo de ir a um supermercado. Como você poderia aplicar esse primeiro ramo de prostração ou reverência nesse exemplo? Embora você não possa se prostrar fisicamente em um supermercado, você pode praticar esse princípio cultivando uma mentalidade de gratidão e respeito. É possível reconhecer o esforço de inúmeras pessoas envolvidas na produção e entrega dos alimentos nas prateleiras, desde agricultores a caminhoneiros e funcionários de lojas. E este reconhecimento pode ajudar a cultivar a humildade e um sentido de interligação. Eu realmente convido você a ser muito criativo com esse tipo de contemplação, visualização e prática. Encontre uma maneira de dar vida a isso em seu cotidiano, seja quando você está no mundo ou no trabalho, seja com sua família, com seus filhos ou com seus amigos. Encontre maneiras de se perguntar: “O que significaria praticar a Oferenda dos Sete Ramos neste contexto, aqui e agora? 

2. Oferenda (versículos 3-7)

O segundo ramo é a oferenda, versículos três a sete. E aqui fazemos oferendas, tanto materiais – como flores, incenso, luz e assim por diante – quanto imateriais, como a oferenda de nossa prática ou de nosso mérito ou de nossas virtudes. Estas oferendas são feitas sem qualquer apego ou expectativa de recompensa, visando cultivar a generosidade e reduzir a ganância. 

1.2. Oferta
[3] Em cada átomo reinam tantos budas quantos átomos houver,
E ao redor deles, todos os seus herdeiros bodhisattvas:
Assim os imagino preenchendo
Completamente todo o espaço da realidade.
 
[4] Saudando-os com um oceano infinito de louvores,
Com os sons de um oceano de diferentes melodias
Canto as nobres qualidades dos budas,
E louvo todos aqueles que alcançaram a bem-aventurança perfeita.

[5] A cada Buda, faço oferendas:
Das mais lindas flores, de formosas guirlandas,
De música e unguentos perfumados, dos melhores para-sóis,
As lâmpadas mais brilhantes e o melhor incenso.
 
[6] A cada Buda, faço oferendas:
Vestimentas requintadas e os aromas mais perfumados,
Incenso em pó, empilhado tão alto quanto o Monte Meru,
Disposto em perfeita simetria.
 
[7] Além disso, as vastas e insuperáveis oferendas –
Inspirado pela minha devoção a todos os budas, e
Movido pelo poder da minha fé nas Boas Ações –
Eu me prostro e ofereço a todos vocês, vitoriosos.

Assim, com estes versos, declaramos a glória e a grandeza dos budas e bodhisattvas aos três mundos, e então oferecemos tudo o que nós, seres humanos, podemos considerar bom e digno de oferecer. Por exemplo, flores, guirlandas, música, perfumes, sombrinhas, lâmpadas. Aqui Dzongsar Khyentse Rinpoche disse: “Cada um deles é muito romântico. Você tem que pensar em estar na Índia há 2.500 anos. Talvez hoje em dia você possa dar a alguém um carregador de iPhone, mas há 2.500 anos não havia eletricidade. Então é um presente tão lindo dar a alguém uma lamparina, já pronta com óleo e pavio, principalmente para os seres sublimes, incenso, mantos, todo tipo de comida, sabonete, roupão, pasta de dente, basicamente o que vier na cabeça”. Noutros ensinamentos, ele nos encorajou a oferecer qualquer coisa deste mundo relativo que consideramos valioso ou desejável – coisas como piscinas, praias, até mesmo o estilo de vida dos influenciadores nas redes sociais. Seja o que for que valorizamos, oferecemos a todos os budas e bodhisattvas.

A oferta insuperável ou inconcebível

O último desses versículos, o sétimo, é a oferenda insuperável ou inconcebível, que não pode ser concebida por esta mente humana limitada. Então, como devemos fazer uma oferta inconcebível? Para iniciantes, quando oferecemos algo parecido com uma flor, normalmente pensamos que é uma flor, nada mais, nada menos. Então Rinpoche diz que “Para torná-la uma oferenda inconcebível, quando você oferece uma flor, você pode pensar que não é apenas uma flor, mas que são infinitos alimentos, bebidas, basicamente todos os fenômenos que podem ser incluídos no samsara e nirvana”. E à primeira vista, quando pensamos dessa forma, parece que é apenas uma invenção mental. Mas Rinpoche insistiu que não se trata apenas de uma invenção mental, porque se pensarmos profundamente, percebemos que mesmo no caso de apenas uma flor, devido às diferentes percepções de diferentes seres sencientes, todos eles a percebem de maneiras muito diferentes. Por exemplo, se uma cabra aparecesse agora mesmo, provavelmente a cabra se relacionaria com aquela flor como alimento, diferente da forma de nós nos relacionarmos com a flor, e assim por diante. 

Então, por enquanto, para iniciantes como nós, aqueles de nós que estão no que é chamado “estágio da conduta aspirante”, em outras palavras, os dois primeiros dos cinco caminhos – que são o Caminho da Acumulação e o Caminho da União — a maneira de fazer uma oferenda inconcebível é abordá-la desta forma e pensar que uma flor não é apenas uma flor, mas tudo o que poderia existir. No entanto, ao ensinar as Preces do Rei das Aspirações em Bodh Gaya em 2023, Rinpoche disse: “Para aqueles de vocês que são meditadores, em outras palavras, para aqueles que são capazes de não seguir o pensamento passado ou antecipar o pensamento futuro, mas que podem permanecer no momento presente sem fabricar ou construir nada – essa é a oferta realmente inconcebível.” E ele também disse que se você puder praticar dessa forma, então não será apenas a oferenda inconcebível, mas também a prostração, a confissão, o regozijo – na verdade, são todos os sete ramos. Se você for capaz de fazer isso, essa é a maneira mais elevada e melhor de praticar cada um desses sete ramos.

Então, voltando às Palavras do Meu Professor Perfeito, para este segundo ramo Patrul Rinpoche disse:

Estabeleça tantas oferendas quanto seus recursos permitirem, conforme explicado no capítulo sobre a oferenda da mandala – ou seja, usando oferendas limpas e perfeitamente puras, e sem se deixar levar pela avareza, hipocrisia ou ostentação. Estas oferendas são apenas o suporte para a sua concentração. Então faça uma oferenda mental à maneira do Bodhisattva Samantabhadra.

Então, mesmo aí, você pode ver que o comentário do ngöndro está se referindo a esta prece. Além disso, sugere que, para aqueles de nós que desejam tornar este Pranidhana-Raja uma prática mais formal, também podemos organizar nosso santuário com oferendas, como faríamos se estivéssemos praticando a oferenda de mandala. Então, acho que você pode pensar nisso das duas maneiras. Você pode praticar o ngöndro fazendo oferendas com a vasta e inconcebível aspiração do Pranidhana-Raja, e pode praticar o Pranidhana-Raja de maneira mais formal, oferecendo oferendas como faria ao praticar o ngöndro.

Voltando ao exemplo do supermercado, você pode querer fazer da sua ida às compras um ato de generosidade. Talvez você compre algo com a intenção de dá-lo a outra pessoa, talvez um amigo, um membro da família ou um vizinho. Isto também poderia estender-se à doação a bancos alimentares ou à participação em iniciativas de lojas que apoiam os necessitados. A chave é dar sem buscar nada em troca e, assim, cultivar um espírito generoso. 

3. Confissão (versículo 8)

O terceiro ramo é a confissão ou purificação. Neste ramo, refletimos sobre nossas ações e pensamentos negativos passados, confessando-os abertamente com um coração sincero e arrependido. Esta prática é crucial para purificar o carma negativo e promover uma consciência limpa e integridade moral. Há apenas um versículo aqui:

1.3. Confissão
[8] Quaisquer que sejam os atos negativos que cometi,
Instigado pelo desejo, ódio e ignorância,
Com meu corpo, minha fala e também com minha mente,
Diante de você, eu confesso e purifico todos e cada um.

Entendemos a virtude como aquilo que nos aproxima da verdade

Dzongsar Khyentse Rinpoche explicou que esta terceira causa para realizar a aspiração é confessar todas as nossas ações negativas de corpo, fala e mente que cometemos desde tempos sem início até agora, na sua totalidade. E aqui o caminho do bodhisattva tem uma atitude um tanto única, na medida em que podemos confessar ações negativas mesmo que não nos lembremos ou percebamos que as cometemos. Esta atitude de confessar algo que não nos lembramos de ter feito é uma forma muito mais grandiosa de pensar sobre a responsabilização. E no Budismo o conceito de ações negativas é bastante vasto. Fundamentalmente, trata-se do que te afasta da realidade ou do que te afasta da verdade. Na semana passada, falamos sobre não ter companheiros não-virtuosos ou maus, e isso foi baseado na mesma ideia. Como disse Rinpoche, quando falamos de companheiros não virtuosos, não se trata tanto de amigos que podem distraí-lo convidando-o para o cinema, mas sim de pessoas que de alguma forma o afastam do Dharma. Como praticantes do Dharma, o que queremos sempre volta à realidade e à verdade. 

Rinpoche explicou muitas vezes que, no Budismo, a forma como pensamos sobre o comportamento ético ou moral – a forma como pensamos sobre o bem e o mal – é bastante diferente da maneira abraâmica ocidental ou judaico-cristã de pensar sobre o bem e o mal. Houve muitas perguntas durante os vários ensinamentos quando Rinpoche ensinou este Pranidhana-Raja, perguntando sobre como podemos nos comportar de forma ética ou fazer o bem com nossas vidas. E penso que para aqueles de nós que cresceram com uma formação cultural mais judaico-cristã, podemos por vezes confundir essa forma de pensar sobre o bem e o mal com a abordagem budista, que é muito mais sobre abordar a virtude em termos de compreensão da verdade. e compreender a realidade – e, abordar a não-virtude em termos de ignorância e de não compreensão da verdade. 

O comentário de Patrul Rinpoche nas “Palavras do Meu Professor Perfeito” é relativamente breve. Ele diz:

Com este pensamento, confessamos conforme explicado no capítulo sobre Vajrasattva.

Aqui podemos ver que estas três primeiras práticas (prostração, oferenda e confissão) são, na verdade, baseadas em práticas anteriores do ngöndro. E voltando ao exemplo do supermercado, enquanto você faz compras, talvez você possa considerar estar atento às suas escolhas e aos seus impactos. Se você estiver gravitando em torno de produtos excessivos, prejudiciais à saúde ou ambientalmente prejudiciais, você pode reconhecer isso internamente e usar esse momento de consciência para se comprometer a fazer escolhas melhores, seja lá o que isso signifique para você – seja comprar menos ou escolher opções mais sustentáveis, ou simplesmente estar mais consciente dos seus hábitos de consumo ou mesmo da sua própria saúde. 

4. Alegria (versículo 9)

A seguir, passamos para o quarto ramo, que é a alegria ou o louvor alegre. Isto envolve regozijar-se nas ações virtuosas e nas qualidades dos budas, bodhisattvas e de todos os seres sencientes. É uma prática cultivar estados mentais positivos, neutralizando a inveja e o ciúme. Este também é um único versículo:

1.4. Regozijando-se
[9] Com o coração cheio de alegria, regozijo-me com todos os méritos
Dos budas e bodhisattvas,
Pratyekabuddhas, aqueles em treinamento e dos arhats além do treinamento,
E de todos os seres vivos, por todo o universo.

Como disse Rinpoche, é como se estivéssemos muito entusiasmados com as qualidades de todos os Budas. Como ele explicou: “Em uma forma mundana de dizer, alegrar-se é ficar entusiasmado com os outros que estão se divertindo e tendo boas qualidades”. Então aqui nos regozijamos com as incríveis qualidades dos budas, bodhisattvas, shravakas, pratyekabuddhas, todos os diferentes seres iluminados em diferentes veículos do Budismo. E não só eles, nos alegramos com todos os seres que possuem virtudes e boas qualidades sublimes ou comuns. Estamos muito felizes que tais qualidades existam. Não temos inveja. Não temos ciúmes. Não nos sentimos competitivos. Como disse Rinpoche: “Quase sentimos alívio por existirem pessoas por aí com tantas qualidades. Ah, agora podemos relaxar um pouco porque tem alguém que pode cuidar da gente, cuidar do mundo. Há alguém que sabe o que está fazendo. O mundo não está tão perdido assim”. Acho que muitos de nós, no mundo atual, às vezes podem sentir desespero quando olhamos para os líderes na política e nos negócios. E sei que muitos jovens, em particular, sentem que os líderes não estão concentrados naquilo que realmente importa para eles. Então, ao vermos bons exemplos, mesmo no mundo comum, isso é realmente algo para comemorar.

Rinpoche observa que mesmo os não-budistas têm práticas de oferecer prostrações, fazer oferendas e louvores, e assim por diante. Mas a alegria parece ser exclusiva do Budismo, especialmente do caminho Mahayana. E aqui estamos nos regozijando tanto com a causa quanto com o efeito. Assim, o efeito, por exemplo, quando você vê alguém que é lindo, bonito e gentil, aproveitando o resultado que surge de causas positivas, então você se alegra com isso. Agora, é claro, esta é uma forma muito medíocre ou geral de regozijo. Uma forma muito maior de regozijo é regozijar-se na causa e efeito que são realizados ou criados pelos budas e bodhisattvas. Em outras palavras, as causas do mérito e a ação de criar o mérito de todos os seres. 

No exemplo do supermercado, você pode reservar um momento para sentir alegria pela abundância disponível para você e pelo sucesso de outras pessoas que estiveram envolvidas nesta cadeia de abastecimento. Isto pode ser tão simples como apreciar a variedade de alimentos ou ficar feliz pelos agricultores locais cujos produtos são apresentados na loja. Reconhecer e celebrar estes aspectos positivos pode ajudar a combater a inveja e a competitividade. 

5. Implorando aos Budas que girem a Roda do Dharma (versículo 10)

O quinto ramo solicita aos seres iluminados que girem a Roda do Dharma. E aqui estamos solicitando que os budas e bodhisattvas continuem ensinando o Dharma, garantindo que os ensinamentos estejam disponíveis para o benefício de todos os seres, evitando assim que o Dharma desapareça neste mundo:

1.5. Implorando aos Budas que Girem a Roda do Dharma
[10] Vocês que são como faróis de luz brilhando através dos mundos,
Que atravessaram os estágios da iluminação, para alcançar ao estado búdico, A liberdade de todo apego,
Eu os exorto: todos vocês, protetores,
Girem a roda insuperável do Dharma.

Aqui, como disse Rinpoche, estamos suplicando a todos os Budas que são os verdadeiros iluminadores deste mundo que está cheio de trevas. E pedimos que ensinem, mas também que apontem os nossos erros, que nos conduzam ao caminho certo, que respondam às nossas perguntas, que tirem as nossas dúvidas, que aumentem o nosso entusiasmo e gerem a nossa confiança no caminho espiritual. Aqui, gosto muito dessa ideia de que “girar a roda do Dharma” é muito mais do que apenas ler um texto, e realmente abrange todas as maneiras pelas quais alguém pode se envolver conosco como mitra, como amigo espiritual, ajudando a apontar nossos erros, nos inspirando e aumentando nossa confiança no caminho — algo muito mais holístico.

Nesse contexto, também pode ser útil refletirmos mais uma vez sobre como abordamos o Dharma, como ouvimos os ensinamentos. E voltando às Palavras do Meu Professor Perfeito, está o belo exemplo dos três defeitos de uma pote. Então imagine que você gostaria de encher uma pote com água. O primeiro defeito é se você simplesmente não escuta ou se distrai, é como ter uma pote virado de cabeça para baixo. Você não pode começar a enchê-lo com água. O segundo exemplo é ter um pote com um buraco. Não importa quantos ensinamentos você ouça, você nunca irá retê-los, assimilá-los ou colocá-los em prática. E o terceiro exemplo é um pote com veneno. Trata-se de misturar emoções negativas, impurezas ou ego com o que você está ouvindo. Isso seria ouvir o Dharma com uma motivação inútil, talvez com o desejo de se tornar grande ou famoso, ou contaminado com outros dos cinco venenos. Neste caso, o Dharma não apenas deixará de ajudar a sua mente, mas também se transformará em algo que não é Dharma, como o néctar sendo derramado em um pote contendo veneno. Por exemplo, Chögyam Trungpa Rinpoche falou muito sobre o materialismo espiritual e como consideramos o Dharma como um adorno para o nosso ego, e não como um meio de purificar o nosso ego. Então vamos nos desafiar e ser honestos conosco: como estamos ouvindo os ensinamentos? Qual é a nossa atitude? 

Outra das minhas histórias favoritas é da tradição Zen, a história “Uma Xícara de Chá”:

Nan-in recebeu um professor universitário que veio perguntar sobre o Zen.
Nan-in serviu chá. Ele encheu a xícara do visitante e continuou servindo.
O professor assistiu ao transbordamento até não conseguir mais se conter. “Está cheio demais. Não entrará mais!”
“Como esta xícara”, disse Nan-in, “você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como posso lhe mostrar o Zen, a menos que você primeiro esvazie sua xícara?”

No exemplo da mercearia, talvez pudéssemos transformar este quinto ramo num desejo ou esperança de educação continuada e conscientização nossa e de todos os consumidores em torno do consumo saudável e ético. Enquanto fazemos compras, isso pode significar favorecer produtos de empresas que se dedicam a esforços educativos sobre nutrição ou sustentabilidade, apoiando assim a difusão de conhecimentos benéficos sobre como fazer compras e como consumir. 

6. Solicitando aos Budas que não entrem no nirvana (versículo 11)

O sexto ramo está solicitando a permanência. Aqui estamos exortando os seres iluminados a permanecerem no mundo e não entrarem no nirvana final, para que possam continuar a ajudar os seres em suas jornadas espirituais:

1.6. Solicitando aos Budas que não entrem no Nirvana
[11] Unindo minhas palmas das mãos, rezo
A vocês que pretendem passar para o nirvana,
Permaneçam por eras tantas quantas os átomos deste mundo,
E tragam bem-estar e felicidade a todos os seres vivos.

Aqui Rinpoche disse: “Se há budas e bodhisattvas que desejam, como devo dizer, concluir sua exibição de benefícios aos seres sencientes, em outras palavras, aqueles que desejam passar para o parinirvana, então urgentemente, com pressa, nós pedimos para não fazerem isso”. Dizemos, sim, somos lentos, somos estúpidos. Podemos não aprender imediatamente, mas temos compaixão. Conte conosco. Por favor, viva muito, se necessário, viva por eras e eras. 

Assim, talvez no exemplo da mercearia, possamos encorajar a presença do bem no mundo, apoiando práticas éticas, escolhendo produtos de empresas que tratam bem os trabalhadores, ou que utilizam práticas agrícolas sustentáveis ou trabalham ativamente para obter impactos sociais positivos, qualquer que seja o bem que possa significar para nós dessa maneira relativa. E compreendendo que através das nossas escolhas, das nossas aspirações, podemos encorajar estas boas forças a permanecer e a expandir-se no mercado e no mundo exterior. 

7. Dedicação (versículo 12)

O sétimo ramo é a dedicação, onde dedicamos os méritos acumulados a partir destas práticas iniciais para a iluminação de todos os seres. Isto reflete o princípio Mahayana da bodhichitta, visando a libertação final de todo ser senciente do sofrimento: 

1.7. Dedicação
[12] Qualquer pequena virtude que reuni pela minha homenagem,
Oferendas, confissões e regozijo,
Exortação e prece – tudo isso
Eu dedico à iluminação de todos os seres!

Como disse Rinpoche: “Esta é a técnica Mahayana padrão, indolor, mas incrível e poderosa, para acumular mérito”. Com isso, estamos estabelecendo as bases para nossa aspiração subsequente. Geramos mérito ou capacidade de fazer coisas. Agora temos a capacidade de aspirar. Então vamos dedicar esse mérito. Dedicaremos toda a prece bem no final, nos versículos 55 a 60, aos quais chegaremos na semana 8. Mas aqui já desejamos dedicar o que fizemos nestes versículos preliminares. Não podemos nos dedicar o suficiente – é uma prática completa por si só. 

Talvez no exemplo da ida às compras você possa concluir com uma dedicação silenciosa ao mérito de suas ações, como escolher produtos sustentáveis ou comprar coisas para oferecer a um amigo ou fazer doações. E você dedica tudo isso ao benefício dos outros. Você pode esperar que suas ações contribuam para um mundo saudável e feliz, dedicando os benefícios de suas compras conscientes a todos os seres. 

Os três venenos

Assim completamos os primeiros doze versículos que compõem a Oferenda de Sete Ramos. Eu também queria falar um pouco sobre como esses diferentes ramos da Oferenda dos Sete Ramos também estão servindo ou funcionando como antídotos para emoções ou contaminações específicas. Muitas das perguntas que surgem dos praticantes têm muito a ver com a nossa experiência ou com as nossas emoções no caminho. Isso pode incluir nossas experiências ou emoções enquanto nos envolvemos na prática, ou quando nos envolvemos no mundo em nossa pós-meditação – seja em nossos relacionamentos, em nossa família, em nosso trabalho, ou apenas observando o que está acontecendo. no mundo exterior. Então, tudo isso tem a ver com as nossas emoções e, portanto, com as impurezas. 

Uma introdução aos três venenos

Tradicionalmente, no Budismo, falamos de três venenos, que são três aflições ou falhas de caráter que são a raiz do desejo e, portanto, em parte, a causa de dukkha – sofrimento, dor, insatisfação – e também de renascimentos. E eles são desenhados simbolicamente como três animais perseguindo uns aos outros no centro do Bhavachakra budista, a obra de arte da roda da vida. Então esses três são:

  • Paixão (também chamada de apego, ganância, avareza ou luxúria), que é representada pelo galo.
  • Agressão (também raiva, ódio ou má vontade), que é representada pela cobra.
  • Ignorância (também ilusão ou confusão), representada pelo porco

Também podemos vê-los como as três formas básicas de nos relacionarmos com qualquer coisa que consideramos um objeto ou um fenômeno, seja um objeto, uma pessoa ou um fenômeno no mundo externo, ou algo no mundo interno de nossa própria mente e emoção. Então essas três maneiras são:

  • Eu gosto – quando gostamos de algo, puxamos para nós. Queremos mais disso. Este é o veneno da paixão ou do apego.
  • Eu não gosto disso – quero afastar isso, me livrar disso. Este é o veneno da agressão ou da raiva.
  • Não me importo – talvez eu ache que é irrelevante, talvez nem perceba. Este é o veneno da ignorância.

Esses três venenos também podem ser voltados para dentro, para nossos próprios pensamentos, nossas próprias emoções, nosso próprio eu, nossa própria vida. E quando fazemos isso, isso pode ter efeitos significativamente negativos na nossa saúde mental, na nossa autopercepção e no nosso bem-estar geral. Eles podem contribuir para ciclos de autocrítica, culpa, baixa autoestima e outros estados mentais dolorosos. E isto é, claro, muito relevante com a crise de saúde mental que vemos hoje no mundo, especialmente pós-COVID, e especialmente entre os mais jovens. Muito tem sido escrito sobre a influência das mídias sociais e as questões de viver uma vida online, e como isso está impactando negativamente as pessoas em termos de ansiedade, depressão, autocrítica e assim por diante. 

Também podemos compreender esses três venenos através das lentes da psicologia evolucionista. Você pode ter lido o livro de Robert Wright, “Por que o Budismo Funciona”, onde ele fala sobre o Budismo através das lentes da psicologia evolucionista, que trata das maneiras pelas quais nossos traços psicológicos, como nossas emoções, pensamentos e comportamentos, foram influenciados. foram moldados pela seleção natural. E desta perspectiva, as nossas respostas ao ambiente – incluindo outras pessoas ou eventos externos a nós, e também as nossas próprias experiências internas e o nosso próprio ambiente interno – podem ser entendidas como adaptações que, em algum momento da nossa história evolutiva, aumentaram as hipóteses dos nossos antepassados de se desenvolverem, sobreviverem e reproduzirem. Mas hoje em dia, estas adaptações podem por vezes prejudicar o nosso bem-estar nos contextos modernos. Então deixe-me falar brevemente sobre os três venenos através dessas lentes. 

1. Paixão

Primeiro, vejamos a paixão, que inclui apego, ganância, luxúria. A perspectiva evolucionista seria que o impulso para o apego e a busca por experiências prazerosas como comida, sexo ou status social podem ser entendidos como mecanismos que outrora garantiram a sobrevivência e o sucesso reprodutivo. Por exemplo, o desejo por alimentos com alto teor calórico e parceiros sexuais em determinado momento foi muito importante para contribuir para a sobrevivência dos genes dos nossos antepassados. Uma perspectiva budista seria que, embora natural e muitas vezes agradável, o apego pode levar ao sofrimento quando nos apegamos a objetos ou experiências impermanentes, levando então à decepção, à perda e a um ciclo contínuo de desejo e vício. Podemos integrar estas opiniões compreendendo que os nossos apegos são frequentemente amplificados pelas nossas predisposições evolutivas. E isso pode nos ajudar a compreender e gradualmente afrouxar o controle desses desejos, talvez encontrando contentamento em prazeres mais simples e conexões mais profundas que não sejam baseadas apenas em impulsos instintivos. 

E se pensarmos sobre como estas podem ser voltadas para dentro, a paixão internalizada pode manifestar-se como apego a certas auto-imagens, identidades ou narrativas internas que acreditamos serem essenciais para a nossa felicidade ou auto-estima. Podemos incluir narcisismo, uma obsessão pelo auto-aperfeiçoamento, até ao ponto de nunca nos sentirmos bons o suficiente, uma busca incessante pela perfeição, ou o apego a versões passadas de nós mesmos que já não nos servem. Talvez nos sintamos indignos se não obtivermos sucesso constantemente. Talvez atribuamos nossa autoestima a validações ou realizações externas, ou fiquemos preocupados em manter uma determinada imagem ou identidade, mesmo quando isso nos causa angústia. Tudo isso são maneiras de entender como esse veneno pode aparecer na nossa vida cotidiana. 

2. Agressão

A segunda é a agressão, que também é raiva ou ódio. De uma perspectiva evolutiva, a agressão pode ser vista como um mecanismo de proteção, ajudando os nossos antepassados a defenderem-se contra ameaças e a competirem com sucesso pelos recursos. E esta resposta às ameaças percebidas foi crucial para a sobrevivência num ambiente mais perigoso e com escassez de recursos. Uma perspectiva budista seria que, embora necessários para a proteção, a raiva e o ódio habituais causam sofrimento pessoal e danos a outros. Estas emoções obscurecem o nosso julgamento e levam a ações destrutivas e a um ciclo de retaliação. Se compreendermos que a raiva e o ódio são respostas evolutivas às ameaças, podemos fazer uma pausa e nos perguntar se uma reação agressiva é proporcional à situação. Práticas como atenção plena e compaixão podem nos ajudar a responder aos conflitos com sabedoria, em vez de agressão instintiva. 

Voltada para dentro, a agressão muitas vezes pode aparecer como autocrítica, culpa, ódio de si mesmo. Esta agressão interna pode ser muito punitiva, nos limitando a padrões irrealistas, nos repreendendo por falhas ou deficiências percebidas, manifestando-se também como uma culpa que vai além do remorso saudável, tornando-se uma sensação generalizada de sermos fundamentalmente defeituosos e indignos de felicidade. Muitos de nós, especialmente na era das mídias sociais, nos envolvemos nesse tipo de autoavaliação ou autocrítica negativa. Podemos nos envolver num diálogo interno severo, nos sentindo constantemente culpados por não cumprirmos os nossos padrões auto-impostos ou sociais, ou experimentando sentimentos intensos de auto-aversão pelos nossos erros ou pelas nossas imperfeições humanas. 

3. Ignorância

A terceira é a ignorância ou ilusão e confusão. De uma perspectiva evolutiva, a ignorância na forma de não perceber ou não se importar com certos estímulos pode ser uma resposta adaptativa à sobrecarga de informação, permitindo aos nossos antepassados concentrarem-se no que era mais relevante para a sobrevivência e a reprodução. No entanto, é claro, isto também pode levar à falta de consciência sobre aspectos importantes do nosso ambiente e da nossa vida interior. De uma perspectiva budista, a ignorância é o veneno fundamental, a percepção errada da natureza da realidade ou da verdade, particularmente a crença no eu permanente e na existência inerente dos fenômenos. E esta percepção errada é vista como a raiz de todos os outros sofrimentos. Assim, talvez pudéssemos integrar estas ideias reconhecendo que a nossa tendência para ignorar ou ser indiferente a coisas que não parecem imediatamente relevantes pode por vezes ser útil para nos ajudar a concentrar, mas que também podemos cultivar a atenção plena e a consciência para verificar se estamos fazendo as escolhas certas. Podemos nos voltar para coisas que de outra forma poderíamos ignorar ou rejeitar. Podemos começar a perceber a interligação de todas as coisas e a natureza impermanente das nossas experiências e, assim, alinhar a nossa consciência mais estreitamente com a realidade. Assim, desta forma, praticamos shamatha, aprendendo a não nos distrair e a voltar para a realidade tal como ela é, mas também Vipassana, aprendendo a ver as coisas com mais precisão, com mais verdade. 

A ignorância voltada para dentro manifesta-se como uma falta de autoconsciência, uma incompreensão da nossa verdadeira natureza, uma falta de vontade de ver quem somos. Mas também pode envolver subestimar o nosso potencial, duvidar do nosso valor intrínseco ou nutrir percepções erradas sobre as nossas capacidades e limitações. Podemos estar desconectados ou não prestar atenção aos nossos sentimentos, necessidades e aspirações, e podemos viver de maneiras que não se alinham com nossos verdadeiros valores ou propósitos. Agora, especialmente como praticantes do Dharma, na medida em que temos esse tipo de desconexão interior da nossa verdadeira aspiração, essa lacuna realmente nos ajudará a começar a fechar – que é um tema subjacente do Pranidhana-Raja. 

Corrupções e antídotos

Em diferentes tradições ou ensinamentos budistas, existem muitas maneiras diferentes de falar ou enumerar as diversas emoções e impurezas. O Abhidharmakosha ou “O Tesouro do Abhidharma” foi um relato sistemático escrito pelo pandita indiano Vasubandhu no quarto ou quinto século dC, e é considerado o auge da erudição no veículo Theravada. São listadas seis contaminações raiz. Estas incluem os três venenos que já discutimos – ignorância, apego, raiva – e também orgulho, dúvida e visões erradas. 

Outra maneira de pensar sobre as impurezas é frequentemente vista no Vajrayana, onde falamos sobre cinco famílias búdicas e suas cinco sabedorias associadas, que são versões purificadas de cinco venenos. Aqui temos os três venenos – ignorância, apego, raiva – e também orgulho e ciúme. A correspondência com as famílias Buda é a seguinte:

  • Ignorância = família Buda (Vairochana: transformação da Ignorância em Sabedoria Dharmadhatu)
  • Agressão/Raiva = família Vajra (Akshobhya: transformação da raiva em sabedoria semelhante ao espelho)
  • Ganância/orgulho = família Ratna (Ratnasambhava: transformação do Orgulho para a Equanimidade)
  • Paixão/luxúria = família Padma (Amitabha: transformação do apego à sabedoria discriminatória)
  • Inveja/ciúme = família Karma (Amoghasiddhi: transformação do ciúme em sabedoria que tudo realiza)

Em diferentes comentários, há muitas maneiras diferentes pelas quais esta Oferenda de Sete Ramos é explicada como neutralizando os vários venenos. Vou usar a abordagem de Chökyi Drakpa, um mestre tibetano que escreveu o comentário ngöndro “A Torch for the Path to Omniscience” (1), que descreve as contaminações e antídotos fornecidos pelos sete ramos da seguinte forma:

1) A prostração é o antídoto para o orgulho. Orgulho é o sentimento exagerado de auto-importância e superioridade sobre os outros. É uma barreira à nossa aprendizagem e crescimento porque fecha a nossa mente à sabedoria dos outros. A prostração neutraliza o orgulho cultivando a humildade e a reverência. Ao nos curvarmos fisicamente e prestarmos homenagem mental aos Budas e aos seres iluminados, reconhecemos suas qualidades e suas realizações e, assim, dissolvemos o domínio do ego e abrimos nossos corações para aprender e desenvolver a compaixão. 

2) A oferenda é o antídoto para a avareza ou a ganância. Esse é o desejo intenso e egoísta de riqueza, recursos, posses, fama ou status, e vem do apego e, claro, leva ao sofrimento. Oferecer envolve doar algo valioso, seja simbolicamente ou de fato, o que neutraliza nossa ganância, cultivando o desapego. A prática da oferenda de mandala, onde o universo e todos os seus tesouros são visualizados como sendo oferecidos, ajuda a afrouxar o apego material e a desenvolver uma mente de abundância e também de alegria em dar.

3) A confissão é o antídoto para a agressão. Agressão, raiva e ódio vêm da aversão. Estas são emoções destrutivas que obscurecem a nossa mente e impedem o cultivo da paz e da compaixão. A confissão envolve reconhecer e purificar as nossas próprias ações negativas, especialmente aquelas motivadas pela agressão ou raiva, que são frequentemente consideradas nos ensinamentos como as mais fortes de todas as ações negativas. Recitar o mantra Vajrasattva ou visualizar a purificação pode transformar a energia da agressão em sabedoria e clareza, facilitando uma profunda paz interior.

4) A alegria é o antídoto para o ciúme. O ciúme é o ressentimento em relação ao sucesso ou felicidade dos outros. É uma fonte de sofrimento desnecessário decorrente da comparação e da competição. Assim, ao nos regozijarmos com as virtudes e realizações dos outros, podemos neutralizar o ciúme, cultivando a felicidade genuína pelo sucesso dos outros. Transforma a nossa mente de comparação e contraste numa mente de apreciação e alegria interligada, minando os efeitos isolantes do ciúme.

5) Pedir para girar a Roda do Dharma é o antídoto para a ignorância. No contexto budista, como vimos, a ignorância refere-se ao mal-entendido fundamental sobre a natureza da realidade, especialmente a natureza do vazio e da interdependência. E ao solicitar aos Budas e aos mestres iluminados que girem a roda do Dharma, aspiramos à presença contínua dos ensinamentos, reconhecendo o seu valor na dissipação da nossa ignorância. Este quinto ramo afirma a importância da sabedoria e da aprendizagem na superação da ignorância e promove o nosso próprio compromisso com o caminho da iluminação.

6) Pedir aos iluminados que não passem para o parinirvana é o antídoto para visões erradas. Estas visões erradas incluem concepções erradas sobre a natureza da realidade, sobre o que é conduta ética, como seguir o caminho para a libertação e todos os obstáculos que estão a impedir a nossa compreensão e prática correta do Dharma. Este apelo para que os iluminados permaneçam é pedir-lhes que orientem os seres, enfatizem o valor dos ensinamentos corretos, mantendo a nossa correta compreensão e prática do Dharma, como Rinpoche explicou anteriormente.

7) A dedicação é o antídoto para a dúvida. A dúvida inclui incerteza ou ceticismo sobre os ensinamentos ou a prática de alguém, ou sobre o caminho para a iluminação. Isto pode paralisar ou impedir a nossa prática e realmente atrapalhar o nosso progresso no caminho. Dedicação consiste em oferecer a energia positiva que acumulamos através da nossa prática para o benefício de todos os seres. Neutraliza as dúvidas, reforçando a eficácia e o propósito da nossa prática, ligando o nosso progresso pessoal à aspiração mais ampla pela iluminação universal, nos ajudando assim a solidificar a nossa confiança e fé no caminho e na interligação de todos os esforços para a libertação. Falaremos mais sobre dedicação nas próximas semanas, especialmente na Semana 8.

Compreendendo o vazio

Praticando as paramitas

Gostaria de dizer apenas algumas coisas sobre o vazio e a inconcebibilidade, embora estejamos apenas nesses primeiros versículos que ainda estão gerando o mérito e preparando o cenário para o que está por vir. Iremos abordar isso com mais profundidade e detalhes nas próximas semanas. Mas nesta fase, já é útil pensar sobre como podemos abordar ou pensar sobre o vazio ou a inconcebibilidade nestes primeiros versículos, até porque os próprios versículos introduziram este tópico diretamente com as suas descrições de tempo, espaço e quantidade.

No Caminho do Bodhisattva falamos sobre a prática das paramitas ou “perfeições”. Normalmente existem seis perfeições: generosidade, disciplina, paciência, diligência, meditação e sabedoria. O conceito de Paramita representa uma perfeição ou qualidade transcendente que os bodhisattvas estão cultivando no caminho da iluminação para que possam agir melhor, com sabedoria e compaixão, para o benefício de todos os seres sencientes. O termo “paramita” significa literalmente “ido para a outra margem”, onde “para” significa “para a outra margem” e “mita” significa “ido”. Portanto, indica uma travessia da margem do samsara ou da existência cíclica para a margem do nirvana ou da libertação. Os sutras também fazem a analogia do Buda ser um barqueiro que nos leva através do rio, de uma margem a outra. E esta transformação não é apenas uma mudança quantitativa, mas uma mudança qualitativa na forma como praticamos estas qualidades virtuosas. Assim, por exemplo, para cultivar a paramita da generosidade, construímos e ampliamos a prática comum da generosidade com a qual estamos familiarizados na nossa vida quotidiana. Estamos indo além de uma generosidade comum de quatro maneiras diferentes – em termos de intenção, sabedoria, escopo e natureza. 

  • Intenção: Na generosidade comum, nossos atos de doação geralmente vêm acompanhados de expectativas de gratidão ou reconhecimento, ou talvez de um resultado favorável para nós mesmos. E embora a nossa motivação possa ser positiva, ainda pode estar enraizada num desejo egocêntrico ou na expectativa de um benefício recíproco. Já a paramita da generosidade é caracterizada por uma intenção puramente altruísta de beneficiar os outros, sem qualquer expectativa de recompensa ou reconhecimento. Nossa principal motivação é a bodhichitta, aspirando alcançar a iluminação para o bem-estar dos outros e, em última análise, para que todos os seres sencientes alcancem a iluminação. 
  • Sabedoria: A generosidade comum nem sempre pode ser informada pela compreensão profunda das necessidades do destinatário ou das consequências a longo prazo da nossa dádiva. O ato geralmente é motivado por circunstâncias imediatas ou por nossas respostas emocionais. Considerando que a generosidade ao nível de uma paramita é praticada com sabedoria e discernimento, o que significa compreender a forma mais benéfica de dar, o que dar, quando dar e a quem, para que os nossos atos de dar beneficiem verdadeiramente o destinatário. Esta sabedoria está enraizada numa compreensão do vazio, vendo além das noções convencionais de doador, dádiva e destinatário, e reconhecendo a natureza interdependente de todos os fenômenos. Na sua forma mais desenvolvida, a generosidade é uma expressão de sabedoria não-dual. 
  • Escopo: Em termos de escopo, a generosidade comum é geralmente limitada. Estamos pensando num número relativamente pequeno de seres, muitas vezes diretamente confinados àqueles que fazem parte do nosso círculo ou comunidade imediata. Já a paramita da generosidade tem um alcance ilimitado, visando beneficiar todos os seres sem discriminação. O praticante da generosidade procura doar livremente, sem parcialidade ou preconceito, incluindo dar ajuda material, proteção contra o medo e compartilhar o Dharma. 
  • Natureza: Normalmente, nossos presentes podem ser benefícios materiais ou mundanos, que embora valiosos, oferecem alívio temporário ou felicidade temporária. Com a Paramita da generosidade, embora os dons materiais não sejam excluídos, queremos abranger também os dons imateriais, como o destemor, o amor e, em última análise, o dom do Dharma. A forma mais elevada de generosidade é considerada compartilhar os ensinamentos que levam à libertação.

Assim, em essência, a transição das práticas comuns para as suas contrapartes paramitas envolve um aprofundamento da nossa motivação, uma expansão da sabedoria e uma extensão do alcance destas virtudes. A prática dessas paramitas é o que diferencia o caminho do bodhisattva das boas ações comuns, visando não apenas a libertação pessoal, mas a iluminação de todos os seres, movidos pela profunda compaixão e informados pela sabedoria do vazio. Na prática das Preces do Rei das Aspirações pode ser útil se pensarmos sobre o que significa envolver-se em uma paramita. Eu encorajo você a ter isso em mente. 

Integrando o vazio à medida que avançamos no caminho

Para nos ajudar a pensar sobre como podemos integrar a visão e a prática da vacuidade e da não dualidade na Oferenda dos Sete Ramos, reuni alguns slides para ilustrar como normalmente podemos progredir em nosso caminho, desde iniciantes até praticantes mais avançados que são capazes integrar a realização do vazio em nossa prática e em nosso caminho. Optei por focar nos mesmos quatro estágios para cada um dos sete ramos:

  • Pré-caminho: O ponto de partida são seres sencientes iludidos comuns que ainda não iniciaram uma prática espiritual. Nesta fase, o nosso modo de vida é tipicamente marcado pela confusão, egocentrismo e distração. Nossa visão é caracterizada por mal-entendidos fundamentais sobre a natureza de nós mesmos, dos outros e da realidade. Ainda estamos enraizados no dualismo e no materialismo, com pouca ou nenhuma compreensão da natureza interligada e impermanente dos fenômenos. Nossa mente se distrai facilmente e é dominada por pensamentos discursivos e emoções prejudiciais, com pouca consciência do momento presente ou controle sobre os processos mentais. As nossas ações são motivadas principalmente pelo interesse próprio, com considerações éticas muitas vezes subordinadas ao ganho ou prazer pessoal.
  • Inicial: Durante a fase inicial da prática, começamos a ter experiências iniciais e vislumbres de compreensão e realização, e solidificamos e clarificamos a nossa compreensão e a nossa visão. Embora nossa compreensão seja principalmente conceitual, estamos começando a compreender intelectualmente os conceitos de impermanência, sofrimento e não-eu. Desenvolvemos habilidades básicas de concentração e atenção plena, o que nos permite estabilizar a mente e nos tornarmos presentes de forma mais consistente. No nosso comportamento, assumimos cada vez mais responsabilidade pelas nossas palavras e ações, e somos motivados pelo desejo de evitar causar danos e de ser benéfico para nós próprios e para os outros.
  • Intermediário: No estágio intermediário, nossa compreensão se torna uma experiência real vivida, muito mais integrada com nossas emoções, bem como com nossa compreensão intelectual. O aprofundamento da contemplação leva a uma visão mais pessoal e reflexiva sobre o significado e a aplicação dos ensinamentos. Começamos a perceber as implicações diretas da impermanência, do sofrimento e do não-eu em nossa vida, levando a uma transformação na percepção e na experiência. Nossa prática de meditação se aprofunda, levando à integração da consciência meditativa na vida diária. Momentos de calma e insight tornam-se mais frequentes, indicando uma harmonia crescente entre a prática meditativa e as atividades cotidianas. Nosso comportamento torna-se cada vez mais motivado pela compaixão e pelo desejo de beneficiar os outros. Começamos a evitar naturalmente ações prejudiciais e a nos envolver em atividades positivas, reconhecendo o seu impacto no bem-estar de todos os seres.
  • Avançado: Finalmente, como praticantes mais avançados, temos uma prática mais integrada ou unificada, onde a nossa visão está bem estabelecida e a não-dualidade e o vazio estão realmente infundindo a nossa prática. A compreensão intelectual e reflexiva amadurece numa realização experiencial direta do vazio e da não dualidade. A sabedoria permeia todos os aspectos da vida e vemos através da ilusão da existência inerente e reconhecemos a origem interdependente de todos os fenômenos. A distinção entre meditação e não-meditação se dissolve, à medida que permanecemos num estado contínuo de consciência que transcende as distinções dualistas entre sujeito e objeto, atividade e repouso. Esta consciência não-dual é o estado natural, não construído e presente sem esforço. A conduta ética surge espontaneamente, sem artifícios ou esforço, como uma expressão natural da consciência esclarecida. Nossas ações estão perfeitamente sintonizadas com as necessidades do momento, personificando a união de sabedoria e compaixão.

Então, vamos considerar os sete ramos em termos desses quatro estágios, começando com a prostração (Nota: clique nos slides para vê-los em tamanho real): 

Através da prática da Oferenda dos Sete Ramos, os praticantes cultivam uma consciência e uma realização mais profundas do Dharma, passando do envolvimento nessas práticas como atos externos para a incorporação de sua essência na realização da sabedoria não-dual.

Aplicação à sangha

Para encerrar, gostaria de refletir um pouco sobre como podemos praticar isso no contexto dos nossos relacionamentos e, especialmente, no contexto da sangha, nossa comunidade espiritual. Dzongsar Khyentse Rinpoche tem falado muito nos últimos anos sobre como especialmente os cristãos fazem um trabalho realmente bom na criação de comunidades espirituais muito vibrantes e atenciosas que enfatizam a bondade, o cuidado e a ajuda. E ele nos encorajou, como budistas, a fazer mais dentro das nossas próprias comunidades, acolhendo e incluindo os recém-chegados e cuidando uns dos outros, e também tratando as nossas relações de sangha como um campo de prática para o nosso próprio cultivo de bodhichitta. Trazer a nossa prática da Oferenda dos Sete Ramos para os nossos relacionamentos de sangha não é apenas para nosso próprio benefício, mas para fortalecer e elevar a comunidade como um todo. 

  • Prostração: No sentido relativo ou material, prostração pode significar mostrar respeito e bondade aos outros na sangha, reconhecendo seu compromisso com o caminho. Isto pode ser tão simples como cumprimentá-los calorosamente, ouvir atentamente quando eles falam ou mostrar apreço pela sua prática e contribuições. Uma abordagem mais não-dual ou orientada para o vazio poderia ser cultivar a compreensão de que o ato de demonstrar respeito não se trata apenas de sutilezas sociais, mas é um reconhecimento da natureza búdica inerente a cada pessoa. Desta forma, a nossa reverência não depende do estatuto hierárquico ou de há quanto tempo alguém pratica o Dharma, mas do reconhecimento do nosso potencial partilhado e universal para a iluminação.
  • Oferenda: Relativamente, podemos oferecer ajuda e apoio aos membros da sangha, seja através do compartilhamento de recursos, apoio emocional ou voluntariado em tarefas comunitárias. Atos de serviço e generosidade fortalecem os nossos laços e purificam a nossa própria avareza e ganância. Da perspectiva do vazio, podemos fazer oferendas sem apego ao eu que oferece, ou expectativa de gratidão. Podemos compreender que estes atos de generosidade são expressões de interligação, refletindo a prática de dar a um nível mais profundo. 
  • Confissão: Relativamente, quando há conflitos ou mal-entendidos na sangha com nossos amigos e colegas, podemos assumir a responsabilidade pela nossa parte. Podemos pedir desculpa e podemos procurar a reconciliação como aplicações práticas deste terceiro ramo. Mais em última análise, podemos refletir que a natureza dos erros e conflitos surge de uma rede de condições e carece de existência inerente. Esta prática pode promover uma abordagem mais compassiva para a resolução de dificuldades, não fixada na culpa, mas focada no crescimento mútuo e na compreensão mais profunda.
  • Alegria: Relativamente, podemos celebrar ativamente as conquistas e virtudes dos membros da Sangha. Podemos encorajar e apoiar as práticas e realizações uns dos outros e, assim, promover um ambiente positivo e edificante. Ainda melhor, podemos regozijar com a compreensão de que estas virtudes e conquistas são manifestações da mesma natureza última que todos partilhamos, dissolvendo qualquer sentimento de separação ou competição.
  • Solicitando para girar a Roda do Dharma: Relativamente, encorajamos o compartilhamento de ensinamentos e insights dentro da sangha e solicitamos ensinamentos daqueles mais experientes, ou compartilhamos nossos próprios insights quando apropriado, para melhorar a compreensão coletiva. A partir de uma perspectiva vazia ou não-dual, abordamos a solicitação e o compartilhamento do dharma com o reconhecimento de que os ensinamentos transcendem as perspectivas individuais, apontando para uma realidade compartilhada além de palavras e conceitos.
  • Solicitar para permanecer: Relativamente, isso poderia incluir encorajar e apoiar os membros da sangha a continuarem com sua prática, especialmente em momentos de dúvida ou dificuldade. Nosso incentivo pode ser um apoio crucial para outros. Em última análise, reconhecer que o incentivo para persistir na prática é uma afirmação da verdade não-dual que está subjacente às nossas experiências, nos incitando a perceber e incorporar plenamente esta verdade.
  • Dedicação: Relativamente, dedicamos os méritos de nossas práticas e realizações ao bem-estar e à iluminação de todos os membros da sangha e além. Compartilhamos o sucesso desta forma para multiplicar seu impacto positivo. Mais em última análise, entendemos que a dedicação é uma expressão da natureza interdependente da existência. Ao dedicar mérito, reconhecemos que nenhuma conquista é pessoal ou isolada. É uma onda no oceano da existência coletiva. 

Com isso, reservemos um momento para dedicar qualquer mérito que possamos ter gerado hoje e dedica-lo à iluminação de todos os seres sencientes.


Nota: para ler as notas de rodapé, clique nos números sobrescritos

Transcrito e editado por Alex Li Trisoglio
Tradução para o português por Alvaro Luis Campos