Semana 2: Sabedoria e compaixão
Alex Trisoglio, 14 de Junho de 2017
Traduzido por Elder Martins, Joana Camilo e Rafael Mousinho / Revisado por Luciana Marques
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Visão geral sobre a semana 2 [t = 0:00:05]
Boa noite a todos e bem-vindos à semana 2. A maior parte do que vamos fazer hoje é focar nos primeiros cinco bhumis, e nos preparar para a aventura que vamos embarcar na próxima semana com o capítulo 6. O foco desta semana é entender a relação entre a visão e a boditchita (ou compaixão), e especialmente as paramitas — qualidades como generosidade, paciência e disciplina que buscamos praticar e cultivar no caminho.
A Jornada do Herói [t = 0:00:44]
Eu gostaria de começar contextualizando, quase que reformulando estes ensinamentos como uma história de aventura, o que pode parecer um pouco curioso. Mas se você olhar para Os Dez Quadros do Pastoreio do Boi, as figuras das quais falamos na semana passada, o desenrolar daqueles 10 estágios, na verdade, segue a mesma estrutura mítica da “Jornada do Herói” de Joseph Campbell. Na verdade, é assim a história de vida do Buda, a história clássica. E para aqueles que gostam de filmes, o exemplo mais clássico pode muito bem ser o primeiro Star Wars, em que George Lucas de fato consultou Joseph Campbell para estruturar o filme em torno dessas diferentes fases da Jornada do Herói.
A Jornada do Herói segue uma clássica estrutura em três atos como as antigas peças teatrais gregas.
- Ato I: é a exposição ou situação, o mundo comum em que começamos. E então algo acontece. Existe algum tipo de problema a ser resolvido, algum chamado à ação. Para nós isso poderia ser como começar em nossa vida samsárica comum e então descobrir o caminho do Darma, descobrir a possibilidade de entender a não-dualidade e vacuidade, e alcançar a iluminação.
- Ato II: E então em algum ponto, o herói ou heroína decide embarcar neste caminho, o que nos leva ao segundo ato, que gira em torno das tentativas de resolver os problemas que foram apresentados no primeiro ato. Na maior parte do tempo, isso se dá em um mundo estranho e pouco familiar. Não é o mundo comum. É um tipo de mundo mítico.
- Ato III: Finalmente, no terceiro ato temos a resolução, onde o herói ou heroína volta ao mundo comum com algum tipo de dádiva, elixir ou um novo poder. Algo que vai trazer benefício ao mundo.
Zarpando para a aventura [t = 0:02:52]
É assim que a progressão dos 10 Touros se parece, se você seguir aquele conjunto de imagens e poemas. E isso também está relacionado àquela história clássica do Zen sobre a Montanha / Não Montanha / Montanha, que é uma fala bem famosa de Ch’ing-yüan Wei-hsin (青原惟信, Japonês: Seigen Ishin), que foi um mestre Chan da dinastia Tang no século IX. Ele disse:
Antes de estudar o Zen por trinta anos, eu via as montanhas como montanhas e os rios como rios. Quando atingi mais intimidade com o Zen, cheguei ao ponto de perceber que as montanhas não são montanhas, e os rios não são rios. Mas agora alcancei a essência do Zen, portanto estou em paz. E finalmente as montanhas voltaram a ser montanhas e os rios voltaram a ser rios.
Então essa ideia de um tipo de jornada cíclica, onde começamos vendo o mundo de um certo jeito, partimos para algum tipo de jornada, e então voltamos ao nosso mundo original mas agora enxergando de uma nova maneira. É bem isso que estamos fazendo aqui. Esse tipo de entendimento está na essência das Duas Verdades, e nos ensinamentos como o Sutra do Coração (“forma é vacuidade, vacuidade é forma”), embora não entremos nesse ponto até as semanas 5 e 6. Eu só queria contextualizar.
Voltando ao ponto em que estamos agora: ainda estamos no Ato I, e estamos na verdade na Cena 2.
- Ato I, Cena 1: foi o chamado à aventura, que vimos na semana passada. Compreendendo que a visão é importante, e que vale a pena cultivá-la.
- Ato I, Cena 2: agora o herói realmente começa a questionar se quer mesmo ir nessa jornada. Essa pode ser uma questão se ele tem outros afazeres, outras obrigações. Talvez ele esteja muito ocupado, sem tempo suficiente. Pode ser que ele veja isso como sendo muito desafiador, muito difícil, acadêmico demais, sem relação com seus interesses cotidianos. Ou talvez ele sinta que já tem algum tipo de caminho. Talvez nós sintamos que já estamos praticando mindfulness ou boditchita ou qualquer outra prática que tenhamos. Talvez sintamos que não precisamos nos comprometer com essa visão da vacuidade, porque já temos o que precisamos. E para aqueles que estão seguindo o fórum de discussões, há uma conversa interessante sobre usar as emoções ou a emotividade como caminho, que eu acho que pode ter a ver com isso.
Apesar disso, nós ainda ouvimos o chamado à aventura. Nós desejamos embarcar no Caminho do Meio? Nós desejamos levar nossa prática ao próximo nível? Isso é algo em que podemos refletir. Estamos prontos pra fazer isso? E talvez então possamos ver que existe uma certa resistência interna. Podemos achar isso um pouco desafiador ou difícil, ou pensar que não queremos fazer isso. Mas nós voltamos à estrutura original de Campbell. Essa é uma etapa natural da Jornada do Herói, e em algum ponto, devemos confrontar e superar essa resistência, para que possamos realmente embarcar no caminho. Neste caso, vamos começar na semana 3 mergulhando bastante na visão, aprofundando na análise, aprofundando nesse outro mundo estranho em que nós não vemos mais a montanha como montanha, mas que ao invés disso, nós começamos a decompor e derrubar. Vamos fazer muito disso, começando na próxima semana.
Como eu vou perceber o que é verdade e o que não é? [t = 0:06:38]
Do mesmo modo que fiz na semana passada, eu gostaria de ler o verso relevante dos 10 Touros. Este é o segundo quadro:
2. Descobrindo as pegadas
Junto à margem do rio sob as árvores, descubro pegadas!Mesmo debaixo da grama perfumada vejo suas marcas.
Na vastidão de montanhas distantes, elas são encontradas.
Estes rastros não podem ser mais escondidos do que o próprio nariz, quando se mira o céu.
Comentário: Compreendendo o ensinamento, vejo as pegadas do touro. Então eu aprendo que, assim como muitos utensílios são feitos de um metal, inumeráveis entidades também são feitas do tecido do eu. A menos que eu discrimine, como vou perceber o que é verdade e o que não é? Não tendo ainda atravessado o portão, todavia discerni o caminho.
Eu acho que essa frase, a ideia de “como vou perceber o que é verdade e o que não é?”, é uma questão muito valiosa para nós, especialmente no contexto da nossa prática. E é muito sobre isso que vamos falar hoje. Como devemos praticar? Que tipo de orientação nós temos? Como a visão permeia nossa prática? Nós vamos voltar a isso nas semanas 7 e 8, mas este é um ponto que vai nos dar apoio para que possamos dizer que é importante entendermos e estabelecermos a visão para que então possamos praticar.
Barcos, Varanasi
Atravessando o rio [t = 0:08:12]
Gostaria de retornar à noção de como a visão precede a ação. Na semana passada falamos sobre a analogia do Buda, do caminho como sendo uma jangada, que deve ser para atravessar o rio e não para ser carregada. Obviamente que se atravessamos o rio com nossa jangada, não queremos carregá-la em nossas costas uma vez que já atravessamos para a outra margem. Nós a deixamos na beira do rio. Nós não a levamos conosco. Então vamos agora imaginar Buda ensinando no Parque dos Veados em Sarnath. Vamos imaginar que ele quer visitar o rio. Agora, como vocês devem saber, Sarnath é apenas alguns quilômetros distante de Varanasi, que está localizada nas margens do rio sagrado indiano, o Ganges ou Mãe Ganga, como é conhecido. Na verdade, Varanasi é a cidade mais antiga habitada de toda a Ásia, uma das cidades mais antigas do mundo. Ela tem sido continuamente habitada desde o ano 1800 AC, e cresceu como um importante centro industrial, famoso por fábricas de seda, perfumes, marfim e esculturas. Durante a época de Buda, Varanasi foi a capital do reino de Kashi, se estendendo ao longo da margem ocidental do rio Ganges.
Se você visita Varanasi hoje, é praticamente a mesma. A cidade sagrada, em sua maior parte, está localizada na margem ocidental e se você olha para a margem oriental do rio, não há muita coisa lá agora, exceto areia das planícies de inundação onde alguns aghori sadhus vivem. Mas ainda assim, vamos imaginar que você quis cruzar o rio, talvez para conhecer alguns desses sadhus. Então você desce em alguns dos seus degraus (ghats) e você consegue ver o outro lado a talvez uns 400 metros distante, e você vai procurar um jangadeiro que possa remar e te levar em sua jangada. E você ainda pode fazer isso hoje. Em Varanasi, muitos dos barcos pequenos são alimentados por propulsão humana ao invés de motores a diesel. Há muitos jangadeiros por lá. Então você entra na jangada e empurra, e rapidamente você percebe que a correnteza do Ganges em Varanasi é bem forte, e imediatamente você começa a ser puxado rio abaixo.
E é claro que se você continuar indo reto ao longo do rio, você vai acabar muito longe do seu destino, porque você vai ser puxado quilômetros de distância da outra margem. Agora, é claro, o jangadeiro sabe disso. Eles já fizeram isso antes, então eles podem ajustar o curso da jangada conforme a correnteza. Eles apontam a jangada num ponto rio acima, e eles remam com toda a força contra a correnteza, e com um estranho movimento que parece um caranguejo, eles terminam cruzando o rio e chegando ao destino perfeitamente. Então você diria que, de certa maneira, apesar dos obstáculos do caminho — neste caso a forte correnteza do rio — eles são muito hábeis em chegar ao seu destino porque têm uma visão clara. Agora, neste caso, é literalmente uma visão clara, porque eles conseguem ver o outro lado. Eu espero que você consiga enxergar a analogia disso com a nossa prática.
Escolhendo um jangadeiro [t = 0:11:40]
Há outra lição aqui. Vamos imaginar que queremos chegar à outra margem. Como devemos escolher um barqueiro? Deveríamos focar na sua aparência? Ou, talvez, em como o seu barco é lindamente decorado? Estas são coisas visíveis e tangíveis. Mas após refletir, começamos a entender que não, que aquilo que realmente precisamos em nosso barqueiro é a habilidade de ter essa visão clara, de saber como navegar as correntezas. Porque a menos que ele faça isso, nunca chegaremos ao nosso destino, não importando o quão atraente o barco possa ser. Quando Dzongsar Khyentse Rinpoche ensinou Madhyamaka na França em 1996, ele introduziu os ensinamentos desta mesma maneira, o que é muito relevante para nós. Ele disse (veja a página 1 na transcrição):
“Agora que o período de introdução do Budismo no Ocidente está quase acabado, precisamos estabelecer o estudo e a prática corretos do Budismo. Até agora, tendemos a enfatizar os métodos, tais como meditação e gurus, e tendemos a esquecer a visão. O estudo da Madhyamaka é importante porque possui análises e métodos vastos e intensivos para estabelecer a visão. Ter a visão correta é como saber a direção para Paris. Suponha que você está viajando a Paris com um guia que alega saber o caminho, e então subitamente ele abre um guia de viagens e começa a agir um pouco estranho. Se você sabe a direção para Paris, então tanto faz se o guia está te levando por autoestradas ou florestas. Enquanto ele estiver indo na direção correta, nem sequer importa se ele age nervosamente, porque você conhece e confia na direção.
Hoje em dia parece que as pessoas não ligam muito para a direção, em vez disso é o carro que as inspira – o veículo Vajrayana, o veículo Mahayana e assim por diante. Ainda pior do que isso, elas encontram inspiração no guia. Com essa abordagem, a menos que você tenha tanto mérito que você acidentalmente encontre o sucesso, é bem difícil obter o resultado. Nós ouvimos ensinamentos como “descanse na natureza da mente”, que são muito viciantes e agradáveis de escutar, mas nós não temos um entendimento fundamental da visão.”
Novamente, eu acho que este é um ponto de reflexão útil ao considerarmos nossa própria relação com o caminho, com os ensinamentos e com o nosso professor. Estamos realmente focados na visão? Estamos focados em conhecer a direção? Ou, talvez, nos tornamos um pouco fixados demais no veículo em si, no caminho ou mesmo no nosso professor? Estas são questões importantes.
Distinguindo os caminhos corretos dos incorretos [t = 0:14:27]
Uma coisa é estar em Varanasi e cruzar o rio vendo a outra margem, mas e se você estiver em um barco tentando cruzar o oceano? Você não pode ver a outra margem. Você não sabe aonde está indo. Sem alguma forma de navegação, sem alguma forma de guia ou bússola ou alguma forma de saber onde está e aonde está indo, você se perderá. Eu acho que essa é uma analogia mais adequada para a maioria de nós que estamos tentando aplicar os ensinamentos em nossa vida cotidiana. A verdadeira questão para muitos de nós é: como devo agir? É legal dizer que eu tenho uma visão, mas como eu posso aplicar essa visão em minha prática e em minha vida diária? A questão realmente é como podemos entender e aplicar a visão do Caminho do Meio para nos ajudar a responder esta pergunta de como devemos agir.
É um paradoxo, porque realmente há uma diferença entre essa ideia de que o Buda não ensinou uma visão, e que o Buda também ensinou que nosso caminho tem que se basear na visão correta. Nós veremos isso cada vez mais ao avançar pelo texto, já que tanto Nagarjuna quanto Chandrakirti dizem que a essência da visão é que não há visão, enquanto que toda a noção de um Nobre Caminho Óctuplo é que nós distinguimos o caminho correto do caminho incorreto. Trata-se de nos certificarmos que sabemos a diferença entre bom e mau, entre certo e errado. Se você olha para estes primeiros cinco capítulos e cinco bhumis, há muita discussão sobre a diferença entre bom e mau. Então parece que nós temos um paradoxo, onde em um nível nós temos que discriminar entre bom e mau, certo e errado e o que é realmente o Nobre Caminho e em outro nível, nós não temos visão. Então como nós devemos entender estes dois níveis? O Rinpoche tem ensinado sobre isso, especialmente no contexto do ensinamentos contemporâneos mindfulness onde, como vocês devem saber, há muita ênfase na ideia de que mindfulness deve ser não-julgadora. Mas se você olhar para os ensinamentos budistas, há um elemento essencial de julgamento e discriminação. Nós temos que distinguir entre certo e errado. Nós não podemos simplesmente jogar nossas mãos ao alto e dizer que vale tudo. Então, novamente, como agir?
Regras monásticas [t = 0:16:59]
Se você volta ao caminho Shravakayana original, ele era primariamente um caminho monástico, então a ação era no contexto da vida monástica em um monastério. São famosos os votos Pratimoksha, onde literalmente prati significa “em direção” e moksha significa “liberação”, então a noção era de que estes votos determinavam comportamentos que os levariam à liberação. Tudo isso soa muito bem, mas eu não sei se vocês já olharam os ➜227 votos. Eu dei uma olhada rápida e aqui estão alguns dos 227 – e, por sinal, obviamente se trata da vida em um monastério, provavelmente lidando com jovens meninos, tentando ensinar a eles algum tipo de disciplina. Algumas das regras expressas nesses votos incluem:
“Você deve comer uma porção de curry para três de arroz.”
“Você não deve esconder curry sob o arroz para obter mais.”
“Você não deve arrotar enquanto está bebendo um líquido”.
Estes são claramente muito específicos e relevantes para a vida monástica, mas pode-se questionar: quanto eu posso realmente usá-los como guia geral para viver no mundo? Bem, alguns dos votos Pratimoksha aplicam-se à vida no mundo. Por exemplo, há uma série de votos sobre tapetes:
“Não aceitar tapetes que contenham seda.”
“Não aceitar tapetes de chão feitos somente de lã de ovelhas negras.”
“Não aceitar tapetes de chão que são, em mais do que sua metade, feitos com lã de ovelhas negras e um quarto de lã branca”.
“Não comprar um outro tapete de chão até que o antigo tenha seis anos de idade.”
Novamente, estes são bem específicos e eu acho que se você está no negócio de tapetes eles podem ser relevantes, mas para a maioria de nós, nós escutamos esses ensinamentos e é muito difícil aplicá-los em nossas vidas no mundo contemporâneo. E quase tudo, se você olhar os 227 votos, trata-se de coisas que não se deve fazer. Há muito pouco sobre o que é encorajado, o que deve ser desenvolvido, o que se deve aspirar como uma boa vida no mundo. Como o Rinpoche diz, para a maioria de nós a noção de viver em um monastério e praticar 24 horas por dia, sete dias por semana, não é factível. Não é possível. Nós temos as nossas vidas. Nós temos famílias. Nós não temos os recursos financeiros para nos dedicar a isso.
Dharma prático? [t = 0:19:55]
E mesmo assim, como grande parte do budismo moderno está se perguntando hoje, se tudo o que nós fazemos é sentar e meditar, e nós não estamos nos engajando nos problemas sociais, econômicos e ambientais do mundo, estamos realmente dizendo que o budismo é relevante? De que maneira estamos conectados com o mundo? Então você vê o crescimento do chamado budismo “engajado”, que diz que devemos ser muito mais engajados. Por sinal, se você olhar para as origens do Mahayana que cresceu fora da tradição monástica, vai ver que ele surgiu por causa da necessidade de oferecer algo aos leigos, que não vivem em monastérios. Até aquele momento, o único caminho para um leigo era fazer doações a um monastério, talvez fazer algumas aspirações para que em um renascimento futuro você viesse como monge, e só então você poderia praticar. Havia muito pouco que se pudesse fazer. De fato, o Rinpoche também disse que provavelmente essa falta de conexão com o mundo cotidiano foi uma grande razão pelo qual o Budismo acabou desaparecendo da Índia e sendo substituído pelo Hinduísmo. Ele não era visto como suficientemente prático. Talvez o populismo original se tratava de dar às pessoas algo que elas queriam, mas como o Rinpoche diz, você não pode simplesmente dar às pessoas o que elas querem. Você precisa dar ambos, o que elas querem e o que elas precisam.
Nós precisamos que o nosso Dharma seja algo que ajude a nos transformar, que nos ajude em nosso caminho rumo à iluminação e que de fato nos auxilie a ajudar outros neste caminho, mas ele mesmo assim, precisa ser de alguma forma prático. Como falamos na semana passada, eu acho que talvez um bom desafio para todos nós enquanto pensamos sobre nossa abordagem ao Dharma – como gostaríamos de usá-lo, de aplicá-lo, de praticá-lo – é: estamos nos tornando práticos demais?
Olhando novamente para o mindfulness contemporâneo, muito dele hoje em dia passou a ser: como podemos aplicar isso ao ambiente corporativo? Qual é o grande negócio? Como o mindfulness pode tornar as pessoas bem-sucedidas, mais felizes e mais produtivas? Não é que o Budismo seja contra essas coisas, mas em algum momento nós realmente perdemos o ponto do caminho. Nós estamos apenas tentando fazer o samsara melhor, ao invés de tentar entender como podemos arrancá-lo pela raiz. Como vocês devem saber, o Rinpoche estava muito preocupado com este mau uso das técnicas e ensinamentos budistas, e essa foi uma das razões pelas quais ele deu esse título a seu livro: Não é para a felicidade. Sim, é claro que se praticarmos o Dharma, nós vamos, como um efeito colateral, desenvolver uma perspectiva mais feliz sobre nossas vidas. Mas esse não é o propósito. Nós não devemos abordar o Dharma como um meio de fazer o samsara melhor. Se fizermos isso, perdemos completamente o ponto.
Eu suponho que seja possível perdoar as pessoas que seguem o movimento mindfulness contemporâneo, porque quando se olha para os 227 votos é muito fácil dizer “não há muita orientação sobre como devemos agir”. E então você olha os ensinamentos sobre a visão, escuta que não há visão, e então para alguém que não é muito acostumado com esses ensinamentos, é muito fácil assumir “bem, eu acho que eles não tem muito para nos dizer”. Então você pode entender porque as pessoas acabam em um caminho que tem apenas mindfulness divorciada de qualquer tipo de ética ou meio de vida correto, e também divorciada de qualquer tipo de visão.
ENTRANDO NO CAMINHO DO MEIO
Qual Madhyamaka está sendo apresentado? [t = 0:24:00]
Então isso nos leva ao início do texto do Chandrakirti, o Madhyamakavatara. Ele vai apresentar o Madhyamaka – este é o título do texto, Entrando no Caminho do Meio ou Introdução ao Caminho do Meio, e bem no início ele diz que há dois tipos de Madhyamaka: a qual deles nós seremos apresentados? E ele enfatiza que este texto apresenta o “Madhyamaka escritural” e não o “Madhyamaka absoluto”. O Madhyamaka escritural é a compreensão intelectual, o que nós falamos semana passada como desenvolver uma Teoria Adotada. Mas isso não é o mesmo que o que você vai perceber ao praticar com base nesta Teoria Adotada. Isto é a realização da não-dualidade, que é o “Madhyamaka absoluto”. Isso não é algo que nós possamos apresentar aqui, e como Rinpoche disse várias vezes, ouvir e estudar os ensinamentos pode nos levar até um certo ponto, e então nós temos que praticar. Como nós dissemos semana passada, talvez 98% do caminho seja prática. E os ensinamentos sempre vão ser deste domínio de conceitos, palavras, linguagem, racionalidade – e nós tentamos chegar a um lugar que está além deste mundo dualista, além desta racionalidade.
Como ele é apresentado? [t = 0:25:29]
E então Chandrakirti diz, se nós vamos olhar as escrituras, o que nós vamos olhar? Nós olhamos os sutras ou olhamos os shastras ou os comentários? E aqui Chandrakirti diz que nós vamos estar olhando os shastras, especialmente o famoso comentário de Nagarjuna Mulamadhyamakakarika. Parte do desafio para aqueles de nós que estão lendo este texto no mundo contemporâneo é que muito do Budismo ocidental agora, especialmente na tradição Theravada, é muito focado na autenticação dos ensinamentos baseada no que está nos suttas em Pali. Alguns de vocês podem ter lido a pré-leitura de Jay Garfield Buddhism in the West (Budismo no Ocidente), e eu acho que esta é uma questão muito importante: o que nós consideramos o ensinamento do Buda? O que é um ensinamento autêntico? São apenas palavras dele registradas mais remotamente? Tenha em mente que mesmo elas são de quatro séculos após o Buda ter ensinado. Ou nós devemos incluir também as pessoas que seguiram sua linhagem e mais tarde escreveram comentários inspirados por e seguindo os seus ensinamentos?
Porque, por exemplo, quando Nagarjuna escreveu e apresentou o Madhyamaka, seu comentário foi baseado nos sutras. Já retornaremos a este ponto. Mas quando ele estava escrevendo por volta do final do segundo século DC – isso é uns seis ou sete séculos depois do Buda – havia muitas más interpretações e más compreensões dos ensinamentos originais. Havia muita leitura equivocada. E então uma grande razão pela qual ele escreveu os primeiros textos Madhyamaka foi para corrigir essas más compreensões e assegurar uma interpretação autêntica do que Buda estava tentando dizer. Então você poderia dizer que muito do que Nagarjuna estava dizendo não estava nos ensinamentos originais do Buda. Mas os ensinamentos do Buda, sozinhos, eram claramente abertos a mais de uma interpretação, e algumas pessoas estavam interpretando os ensinamentos de uma forma, que na opinião de Nagarjuna, era incorreta.
O Vaticano
Uma tradição viva [t = 0:27:46]
Minha perspectiva sobre isso é que nós não podemos contar apenas com as palavras do Buda, porque elas não levaram em conta toda a confusão que comentaristas subsequentes introduziram, que então precisou ser removida ou esclarecida. Se nós fôssemos fundamentalistas sobre o nosso Budismo, nós teríamos um ensinamento que não poderia se adaptar e responder às interpretações e aos mal entendidos contemporâneos, e às necessidades do mundo moderno. E isto é, de fato, a essência de uma tradição viva. Por exemplo, até o Papa Francisco trocar a língua oficial do Vaticano em 2014, quando ele tornou o Italiano a língua oficial, ele mudou toda a história da Igreja Católica que sempre havia sido o Latim. Então para assegurar que o Catolicismo era uma tradição viva, porque eles falavam Latim nos encontros do sínodo, eles tiveram que inventar palavras latinas para telefone celular e televisão e computador e coisas assim. Se você está interessado, a propósito, a palavra latina para “computador” é computatrum. Claro que isso não estava no Latim original, mas esse é um exemplo de onde eles tiveram que introduzir algo para manter os ensinamentos vivos.
Agora, na tradição budista, muito da razão pela qual grande parte do Abhidharma emergiu e também a origem de muitos comentários subsequentes aos ensinamentos, é porque o Buda ensinou duas coisas que parecem bastante paradoxais. Ele ensinou anatta, a ideia de que não existe um eu verdadeiramente existente, mas ele também ensinou karma. Ele ensinou sobre o renascimento. E então os oponentes do Budismo nos seus primeiros anos na Índia estavam perguntando aos budistas, “Como vocês podem explicar isso? Como vocês podem manter uma visão que diz que nós temos karma e renascimento, quando vocês também estão dizendo que não há um eu verdadeiramente existente? Não há um eu verdadeiramente existente que está passando por renascimento. Não há um eu verdadeiramente existente que vai receber as consequências futuras das boas ou más ações de hoje. Se vocês insistem que não há um eu verdadeiramente existente, então toda a ideia de karma e renascimento apenas colapsa. Para responder a essas objeções, os primeiros budistas apresentaram muitas teorias, e elas são o que Nagarjuna procurou desenredar e comentar quando estava escrevendo o Mulamadhyamakakarika.
Buda grego [t = 0:30:28]
Há outra coisa que pode ser de interesse histórico. Eu mencionei um momento atrás que a primeira versão escrita das palavras do Buda foi no Sri Lanka por volta do 1º século AC, cerca de 400 anos após o Buda morrer. E sim, o Budismo era uma tradição oral que foi memorizada e passada adiante, mas mesmo assim, isso foi 400 anos depois. E recentemente houve algumas pesquisas muito interessantes ligando o Budismo com a Filosofia grega inicial, especificamente a filosofia cética de Pirro e a sua escola. Porque nós sabemos agora que Alexandre, o Grande, viajou à Ásia Central e ao noroeste da Índia por volta de 327-326 AC, e que o grande filósofo Pirro de Élis viajou com ele. E foi sugerido, e realmente há boas evidências para isso – se você estiver interessado, eu encorajo você a ler um livro chamado Greek Buddha de Christopher Beckwith – que Pirro encontrou e discutiu filosofia com muitos dos filósofos budistas da época. Então agora, ao invés do 1º século AC este é o 4º século AC, que é três séculos antes do registro inicial do Budismo que temos no Cânone em Pali. Nós atualmente temos alguns manuscritos do Pirro com data que são autenticamente datados de 330-325 AC. E é muito interessante que se você ler esses textos de filosofia cética, Pirro baseia a sua filosofia em três características que são essencialmente as mesmas que as Três Marcas do Buda: anicca (impermanência), anatta (não-eu) e dukkha (sofrimento). Então quando Rinpoche diz que a ideia das Três Marcas ou dos Quatro Selos é a fundação, ou a origem, ou o núcleo comum do Budismo, talvez haja algo interessante que nós possamos aprender sobre o que estava realmente sendo ensinado no tempo do Pirro. Então se você está interessado, eu o encorajo a ler isso.
Entre Nagarjuna e Chandrakirti [t = 0:32:58]
Se nós estamos interessados nas origens desses ensinamentos, parte do desafio é que o Rinpoche não ensinou o Mulamadhyamakakarika de Nagarjuna diretamente, e ele também não ensinou extensivamente sobre os suttas Pali, então nós vamos ter que fazer um pouco de juntar os pedaços disso por nós mesmos. Nagarjuna estava escrevendo por volta do final do 2º século DC, e decorreu um longo tempo entre sua escrita e a de Chandrakirti no 7º século DC. Então várias novas escolas haviam surgido, sendo a mais importante a escola Yogachara ou Cittamatra, que foi fundada pelos meio irmãos nascidos-brâmanes Asanga e Vasubandhu. Eles estavam ensinando por volta do 4º ou 5º século DC, então isso foi bem depois de Nagarjuna, mas antes de Chandrakirti. E se você ler este texto, muito do que vamos cobrir no Madhyamakavatara de Chandrakirti é uma refutação desta visão Cittamatra. É o mais desafiador de seus oponentes. A Cittamatra ensina mente apenas, e ela tem sido interpretada como um tipo de idealismo filosófico mas também, bastante, como uma forma de fenomenologia, que é muito contemporânea de algumas maneiras. E nós podemos dizer a nós mesmos que a tradição de Chandrakirti, a Prasangika-Madhyamaka, venceu o debate. Mas a Yogacara-Svatantrika-Madhyamaka que cresceu a partir da escola Cittamatra, e que foi desenvolvida por Shantarakshita, permanece muito influente no Budismo Tibetano ainda hoje, especialmente nas tradições Nyingma e Dzogchen. Então, de maneira alguma, nós resolvemos inteiramente isso, e nós voltaremos a isto nas próximas semanas.
Polonnaruwa
Vacuidade nos suttas Pali [t = 0:35:03]
Este texto, o Madhyamakavatara, não entra realmente na história pré-Nagarjuna dos ensinamentos sobre vacuidade, ou mesmo nas fontes dos suttas Pali. Então para descobrir isso, eu fui a alguns dos mestres Theravada e especificamente há um grande website chamado ➜Access To Insight, que tem mais de 1.000 suttas do Cânone Pali. Thanissaro Bhikkhu, um dos autores do site, fala bastante sobre os suttas que discutem vacuidade. Ele tem uma boa visão geral na apresentação do tradutor ao ➜Maha-suññata Sutta (MN 122), onde ele diz que há três diferentes abordagens à vacuidade nos suttas. Eu gostaria de falar um pouco sobre cada uma.
MN 121
(1) Vacuidade como morada meditativa: aqui ele sugere que o texto principal é o ➜Cula-suññata Sutra (MN 121). Aqui, o Buda, que está falando com Ananda e diz:
“Além disso, Ananda, o monge – não atendendo à percepção da dimensão do nada, não atendendo à percepção da dimensão da nem percepção nem da não-percepção – atende à singularidade baseada na concentração sem-tema da consciência. A mente dele aceita o prazer, encontra satisfação, se instala e se entrega à sua concentração sem-tema da consciência”.
“Ele discerne que ‘Esta concentração sem-tema da consciência é fabricada e mentalmente formada’. E ele discerne que ‘Tudo o que é fabricado e mentalmente formado, é inconstante e sujeito a cessação’. Para ele – assim sabendo, assim vendo – a mente é liberada do efluente da sensualidade, do efluente do tornar-se, do efluente da ignorância. Com a libertação, há o conhecimento, “Liberado”. Ele discerne que ‘O nascimento é terminado, a vida sagrada cumprida, a tarefa feita. Não há mais nada para este mundo’”.
Já podemos começar a perceber que parte dessa linguagem soa familiar: a idéia de que tudo o que é fabricado, construído mentalmente, é impermanente e desmoronará. Isso é muito do que pensamos sobre a vacuidade no Mahayana.
SN 35.85
(2) Vacuidade como um atributo dos objetos: a fonte é a ➜ Suñña Sutta (SN 35.85):
“Então o Ven. Ananda foi ao Abençoado e, ao chegar, tendo prostrado-se a ele, sentou-ao lado. Enquanto estava lá sentado, ele disse ao Abençoado: “É dito que o mundo é vazio, que o mundo é vazio, senhor. Em que sentido é dito que o mundo é vazio?”
“Na medida em que é vazio de um eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu: Assim é dito, Ananda, que o mundo é vazio. E o que é o vazio de um eu ou de qualquer coisa que pertence a um eu? O olho está vazio de um eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu. Formas… Consciência visual… O contato com os olhos é vazio de um eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu.
“A orelha é vazia …
“O nariz é vazio …
“A língua é vazia …
“O corpo é vazio …
“O intelecto é vazio de um eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu. Idéias … Consciência intelectual… O contato do intelecto é vazio de um eu ou de qualquer coisa pertencente a um eu. Assim, é dito que o mundo é vazio.”
Esta é uma apresentação muito clássica do Shravakayana. Passamos por todos os cinco agregados e os dezoito dhatus, e dizemos que cada um deles é vazio. Mas é interessante, porque se você olhar para isso pela perspectiva Madhyamaka, você não diria: “A língua é vazia”. Você diria: “Não há língua”. Novamente, se você compara o que esse sutra diz: “Orelha é vazio, o nariz é vazio … “, soa muito como o Sutra do Coração. Mas no Sutra do Coração não dizemos “O ouvido é vazio, o nariz é vazio …”, dizemos “Não há ouvido, não há nariz …” Então, nós já estamos começando a entender que existe uma maneira diferente de falar sobre a vacuidade no Madhyamaka, uma maneira diferente de falar sobre o eu. Veremos isso mais tarde, ao passar pelas diferenças entre os ensinamentos Shravakayana ou Theravada e os ensinamentos Mahayana Madhyamaka. E muito disso tem a ver com a noção das Duas Verdades, em que falamos sobre o relativo e o absoluto, e todas essas coisas são desenvolvimentos subsequentes do Mahayana.
SN 12.15
(3) Vacuidade como não-eu: isto é do ➜Kaccanagotta Sutta (SN 12.15). Uma passagem chave é onde o Buda discute a visão correta, onde ele diz explicitamente que ele evita os extremos da existência e inexistência e ensina “através do caminho do meio”:
“Ven. Kaccayana Gotta aborda o Abençoado e, ao chegar, tendo prostrado-se a ele, sentou-se ao lado. Enquanto estava lá sentado, ele disse ao Abençoado: “Senhor, ‘Visão correta, visão correta’, é dito. Até que ponto há visão correta?
“Em geral, Kaccayana, este mundo é apoiado pela (leva como seu objeto) polaridade, aquela da existência e da não-existência. Mas quando alguém vê a originação do mundo como realmente ele é, com correto discernimento, a ‘não-existência’ com referência ao mundo não ocorre a ele. Quando alguém vê a cessação do mundo como ela realmente é, com o discernimento correto, a ‘existência’ com referência ao mundo não ocorre a ele.
“Em geral, Kaccayana, este mundo está preso a laços, apegos (sustentos) e tendências. Mas alguém que não fique envolvido nem se apegue a esses laços, apegos, fixações da consciência, predisposições ou obsessões; nem é resoluto no ‘meu eu’. Ele não tem incerteza ou dúvida que apenas estressa, quando surge, está surgindo; o estresse, ao acabar, está acabando. Nisso, seu conhecimento é independente dos outros. É nesta medida, Kaccayana, que há a visão correta.
”Tudo existe’: Esse é um extremo. ‘Tudo não existe’: Esse é um segundo extremo. Evitando estes dois extremos, o Tathagata ensina o Dhamma pelo caminho do meio”
Nagarjuna
Nagarjuna e os Suttas Páli [t = 0:41:28]
O próprio Nagarjuna disse que este mesmo sutta, o Kaccanagotta Sutta (que também é conhecido como A Instrução de Katyayana) é a fonte sobre a qual ele baseou o Mulamadhyamakakarika. Você pode ver isso no Capítulo 15 Versos 6 e 7 do Mulamadhyamakakarika, onde ele diz:
[15:6] Natureza intrínseca e natureza extrínseca, existente e não existente –Quem vê estes não vê a verdade dos ensinamentos do Buda. [15:7] Em A Instrução de Katyayana ambos “isto existe” e “isto não existe”
são negados pelo Abençoado, que claramente percebe o existente e o não existente.
Parte da razão pela qual eu mencionei tudo isso é que eu estava satisfeito em ver que já havia alguma discussão acontecendo no Fórum, e uma das questões levantadas era qual é a maneira correta de falar sobre não-eu, nem-eu, não visão do eu, e assim por diante – como nós devemos entender isso? Eu penso que é muito fácil ficar confuso com tudo isso, então nós vamos falar mais sobre isso hoje. E eu realmente encorajo vocês a passar algum tempo perguntando a si mesmos qual é a sua maneira de pensar sobre vacuidade? Como você a articularia em termos de não-eu ou nem-eu ou não visão do eu? Porque efetivamente, há uma diferença.
Aqui estamos nós no Madhyamaka agora, onde Nagarjuna, nosso fundador, é muito claro acerca de que os Budas não tem visões: nem existência nem não-existência, nem nenhum dos dois, nem ambos. E ainda assim nós temos este desafio de que nós possuímos todos os ensinamentos relativos de karma e renascimento e de como sustentar o Nobre Caminho de Oito Passos, como agir de uma maneira que é correta ao invés de incorreta. Então nós ainda temos o mesmo desafio: de alguma forma nós precisamos de uma direção, mesmo que não tenhamos visão. E nos ensinamentos, a lenda diz que quando o Buda ensinou pela primeira vez o Sutra do Coração na Montanha do Pico dos Abutres, haviam 500 arhats na audiência escutando, e quando eles ouviram ele ensinar a grande vacuidade, eles todos tiveram um ataque cardíaco e morreram. Talvez isso seja um pouco poético, mas o ponto é bastante claro. Isso é um forte desafio à maneira que a vacuidade era interpretada no Shravakayana. Então eu realmente encorajo vocês a debater, estudar, entrar no Fórum, ter uma luta amigável sobre essas coisas – eu acho que é realmente bom desafiar o seu próprio entendimento. E como o Rinpoche disse, conforme seguimos por este texto, ele realmente nos encorajou a não ver nossos oponentes como anciãs escolas de filosofia indiana que estão mortas e ideias fora de moda. Mas ao invés, como elas estão vivas em nós aqui e agora, hoje? Poderia ser na maneira que nós abordamos o mundo. Seria na maneira que nós abordamos o Madhyamaka. Nós vamos descobrir que várias dessas visões que são mantidas por nossos oponentes, nós efetivamente estamos tomando-as em nós mesmos de tempos em tempos.
Chandrakirti estabelecerá a visão mostrando que não há nascimento [t = 0:45:14]
Agora passando pelo texto, há muito aqui para eu comentar em detalhes sobre tudo que o Rinpoche ensinou. Eram 60 páginas no comentário para a pré-leitura desta semana, então eu não vou poder passar por tudo isso. Eu acho que muito disso é razoavelmente claro, então eu vou me deter nas áreas que são menos claras.
Então como Chandrakirti vai estabelecer a visão? Ele vai estabelecer que não há existência verdadeira ao mostrar que não há origem. Muito do que nós vamos estar falando é sobre a noção de origem ou nascimento. Como o Rinpoche disse, isso está muito de acordo com nossas percepções ordinárias, porque quando nós pensamos sobre validar algo, nós perguntamos: “De onde isso vem? Onde foi feito?” Por exemplo, se nós vemos uma bolsa Louis Vuitton – ela é efetivamente genuína? Ou ela foi encontrada em algum lugar nas ruas de Bangkok, uma falsa? E nós todos, intuitivamente, entendemos que há uma diferença entre o artigo verdadeiro ou genuíno e um falso. Mas não é só isso.
Isso realmente volta para as questões em que nós começamos a refletir na semana passada, as questões filosóficas perenes. Como nós devemos viver? O que é uma vida boa? Como nós devemos entender o que é verdade, o que é bom? E para responder estas questões nós precisamos de algum tipo de base, algum tipo de fundação. Nós não podemos simplesmente dizer, como alguns professores mindfulness contemporâneos talvez digam, “seja não-julgador”. Porque então nós não temos uma maneira de fazer sentido sobre do que é bom e sobre o que é o ruim. Quando nós devemos virar à esquerda ou à direita? Nós precisamos de algum tipo de visão. Nós precisamos de algum tipo de base para a nossa ação. E é nisto que nós vamos embarcar.
Então vamos para a página 11 do texto. Eu vou dar a vocês as referências das páginas [em Introduction to the Middle Way, o PDF do comentário do Dzongsar Khyentse Rinpoche sobre o Madhyamakavatara] conforme nós passamos pelo ensinamento, para que vocês possam seguir ao longo do livro se vocês escolherem.
O CORPO PRINCIPAL DO TEXTO
1:1
A homenagem: um louvor à compaixão [t = 0:47:47]
Com os primeiros quatro versos nós começamos com uma homenagem, neste caso, um louvor à compaixão. E como vocês devem saber nos ensinamentos budistas, e certamente na tradição indiana, é muito tradicional mostrar o respeito pela linhagem ao oferecer louvores e homenagens. E neste caso, nós temos o louvor à compaixão.
[1:1] Shravakas e pratyekabuddhas são nascidos do rei Muni;Budas são nascidos dos bodisatvas;
E, da mente da compaixão, não-dualidade e
Bodhicitta é nascido o bodisatva.
Então vocês podem perguntar porque louvaríamos a compaixão ao invés da sabedoria? Porque nós louvaríamos o bodisatva ao invés do Buda e das Três Jóias? Tradicionalmente quando nós oferecemos louvor no Darma, nós oferecemos louvor às Três Jóias: o Buda, o Darma e a Sanga.
Na página 12, o Rinpoche também fala sobre a diferença entre o Shravakayana e o Mahayana. O caminho que nós escolhemos seguir depende do nosso alvo: nós estamos buscando o nirvana ou estamos buscando a iluminação completa? E isto é um pouco à frente de onde estamos, mas na página 169 o Rinpoche diz que há dois tipos de ouvintes, e o Buda ensinou para ambos. Eles têm tipos diferentes de motivação. Alguns alunos têm a motivação de que libertar a si mesmos deste sofrimento mundano. Eles podem ver a sua insubstancialidade. Ele podem ver sua falta de sentido, e no fim é apenas dar voltas e voltas nesta roda do samsara. Então, eles querem escapar. E para eles o Buda ensina a se livrar do [apego ao] eu, porque é o apego ao eu que causa todos estes problemas do samsara. Mas há outro grupo que não está satisfeito apenas com a liberação do samsara. Eles querem liberação além de todas as visões. Eles querem ir além do samsara e também além do nirvana. Estes são os bodisatvas. Este texto é direcionado aos bodisatvas. Ele é para uma visão maior, então nós não vamos apenas examinar qual é o caminho para o nirvana, que é estabelecido nos ensinamentos Shravakayana, mas qual é o caminho para a iluminação plena e completa? E parte do que estamos falando aqui é que nirvana e iluminação não são efetivamente a mesma coisa. Nós também falaremos um pouco sobre isso.
1:1cd
Compaixão, não-dualidade e boditchita [t = 0:50:25]
Quando falamos sobre porque louvamos a compaixão na página 14, nós falamos sobre a sequência das três causas do bodisatva: a mente da compaixão, não-dualidade e boditchita.
[1:1cd] E, da mente da compaixão, não-dualidade eBodhicitta é nascido o bodisatva.
E, de fato, compaixão e não-dualidade, que é uma outra maneira de falar sobre sabedoria – quando compaixão e não-dualidade se juntam, isso forma boditchita. Vocês poderiam dizer que o terceiro é feito dos dois primeiros. E o Rinpoche enfatizou que sim, a compaixão é o ponto de partida, mas compaixão por si só não é suficiente, porque compaixão sem não-dualidade os leva a tornarem-se uma vítima da sua compaixão. Então quando nós dizemos “compaixão”, o que é compaixão? É mais do que apenas simpatia. É mais do que apenas sentir pena de uma pessoa quando nós a vemos sofrer. Isso efetivamente envolve um senso de compreensão. Se vocês estivessem no lugar dela, vocês entenderiam pelo que ela está passando. E como o Rinpoche diz, estranhamente sobre esta definição até mesmo uma pessoa cruel, alguém que está buscando causar dor e sofrimento aos outros, vocês podem argumentar que ela tem que ter algum tipo de compaixão em algum lugar, porque elas sabem a diferença entre o que causa sofrimento e o que não causa sofrimento. Por contraste, se um galho de árvore cai na sua cabeça, a árvore não tem intenção. Ela não tem compaixão. Ela não tem a habilidade de entender a diferença entre prejuízo e não-prejuízo. Seres sencientes são diferentes das árvores a esse respeito.
Então o que poderia parecer ter compaixão sem sabedoria? Nós podemos falar de maneiras contemporâneas sobre ter limites que não são claros. Como o Rinpoche disse, por exemplo, talvez nós tenhamos metas em torno de consertar pessoas. E é claro que os bodisatvas não são assim. Sim, os bodisatvas têm compaixão mas eles não têm uma orientação a metas, o que talvez possa parecer um pouco esquisito para nós iniciantes. Porque nós estamos pensando “Oh, eu pensei que a minha aspiração era ajudar os outros?” Bem, nossa aspiração é de fato para a iluminação de todos. Mas os próprios bodisatvas foram além do entendimento dualista de eu e outros. Então, para eles, a sua ação não é motivada por este tipo de dualismo. Como nós veremos mais tarde, o sol apenas brilha. Ele não tem a intenção de brilhar sobre uma pessoa particular. Se uma pessoa deseja receber um pouco de brilho do sol, elas vão ao ar livre e ao sol. O entendimento de como uma pessoa se relaciona com o Buda é muito semelhante. Nós também chegaremos a isso. Se vocês voltarem aos Dez Touros, e olharem a imagem e o poema para o 10º touro, ela é muito semelhante: nós temos o sábio na feira. Ele não tem a intenção [no sentido dualista usual] de beneficiar os seres, mas apenas através da sua presença ele é capaz de beneficiar. Esta imagem diz muito sobre o fruto do caminho do bodisatva.
Outra maneira de entender o tipo de compaixão que nos coloca em problemas é, por exemplo, que compaixão sem sabedoria pode levar a uma exaustão pela empatia. Isto é um desafio para muitas pessoas que estão em profissões de cuidado como enfermeiros, mas também para pessoas como guardas prisionais. Há dados que quando guardas prisionais se aposentam, muitos deles morrem dentro do primeiros anos depois de se aposentar. Isso é que eles estão tão exaustos devido a ter que lidar com as demandas de seus papéis. O Rinpoche ensinou recentemente no México, e lá ele ensinou sobre como pode soar impossível quando nós aspiramos liberar todos os seres sencientes. Todos os seres sencientes? Como eu poderia fazer isso? Eu mal posso ter uma influência positiva em umas poucas dúzias de pessoas em minha vida. Parece sem sentido falar sobre todos os seres sencientes. E, no entanto, não funciona apenas como uma aspiração. Também funciona como uma meta desafiadora, como diria um gerente, algo que nos force a confrontar nossas suposições. E isso nos leva além do nosso entendimento racional, porque nós não podemos entender a ideia de “liberar todos os seres sencientes” com os nossos conceitos racionais estreitos. Então, realmente, nós estamos começando a abordar a não-dualidade.
1:2
Por que a compaixão vem primeiro? [t = 0:55:09]
Então, dizemos que começamos com a compaixão e depois a não dualidade, e esses dois levam à boditchita. Por que a compaixão primeiro? A compaixão vem primeiro porque ela é a semente, é a água que rega nossa planta e é o fruto que a planta sustenta.
[1:2] A compaixão sozinha é a primeira semente para a abundante colheita de estado búdico;Então a água para o seu crescimento,
E finalmente, o que amadurece como um estado de prazer duradouro –
Portanto, primeiro eu louvo a compaixão.
Rinpoche frequentemente ensina sobre a diferença entre a boditchita da aspiração e a boditchita da aplicação, e ele diz que sim, é claro que queremos nos envolver com a boditchita da aplicação, mas é desafiador. Enquanto a aspiração é boa, é algo que todos podemos fazer, algo que não há motivo para não fazer a todo momento. Não há desculpa para não ter a boditchita da aspiração. Portanto, sempre podemos começar cultivando a compaixão e, mesmo que a não-dualidade – o segundo estágio – possa ser um desafio no início, não há motivo para não se envolver com a compaixão.
Houve uma pergunta interessante durante os ensinamentos de 1996, não era parte diretamente do comentário, mas quando Rinpoche estava respondendo a questões, alguém perguntou: “O Buda tem compaixão?” E aqui Rinpoche explicou que o Buda não tem motivação dualista. Ele não tem nenhum sujeito e nenhum objeto. Então, ele beneficia os seres como o sol quando brilha, ou como uma árvore que realiza desejos. E quando falamos sobre o Buda como tendo compaixão, é uma projeção que nós seres sencientes estamos fazendo ou estamos colocando no Buda. A sua compaixão é vista do nosso ponto de vista. Como Rinpoche disse, tenha em mente que a própria existência dele é do nosso ponto de vista. Como vimos no Sutra do Coração e no Sutra do Diamante, não podemos nem dizer que o Buda existe. Então talvez estejamos começando a nos tornar um pouco mais familiares e confortáveis com a idéia de que nossas noções ingênuas sobre o Buda podem não ser inteiramente precisas. Eu acho que muitos de nós estão familiarizados com uma abordagem teísta para isso. Pensamos no Buda em termos de um quase-deus, e em muitos países asiáticos as pessoas rezam para o Buda para terem boas colheitas. Eles rezam para o Buda pelo sucesso nos negócios. É muito teísta, como se houvesse alguma pessoa poderosa lá fora que pudesse nos favorecer se ele estiver satisfeito com a gente. É muito dualista. Enquanto Rinpoche nos encoraja muito a aplicar a sabedoria do Caminho do Meio à nossa compreensão do Buda. Se pudermos aprender a superar nossos padrões habituais teístas e aprender a ver o Buda como nossa projeção, então estamos começando a ter mais do entendimento não-dual.
1:3
Três tipos de compaixão [t = 0:58:00]
Existem três tipos de compaixão, que se diferenciam pelos seus objetos, em outras palavras, se diferenciam pelos diferentes tipos de seres com diferentes tipos de impurezas.
[1:3] Inicialmente fixando sobre este chamado “eu” como um eu [existente]‘Meu’ dá origem ao apego.
Os seres indefesos, conduzidos como uma roda de irrigação,
Para a compaixão por estes, eu me prostro.
E muito do que vai nos ajudar a entender são os estágios de progressão no caminho.
- (1) Seres sencientes experimentam os dois tipos de sofrimento: o primeiro tipo de compaixão é para seres sencientes que sofrem com o sofrimento do sofrimento e com o sofrimento da mudança. Isso está se referindo à qualidade omnipresente de dukkha (insatisfatoriedade) e anicca (impermanência) no samsara. E isso é denominado “compaixão comum” porque, por exemplo, os hindus também o possuem. E os objetos desse primeiro tipo de compaixão incluem todos os seres sencientes comuns, e também os shravakas e pratyekabuddhas no caminho. Em outras palavras, qualquer um que esteja renascendo devido ao carma e emoções.
1:4ab
Para o segundo e terceiro tipos de compaixão, passamos agora para as duas primeiras linhas do verso 4.
[1:4ab]: Os seres sencientes são como o reflexo da lua na água em movimento.Vendo-os como vazios em sua alteração e em sua natureza
Aqui temos uma imagem, talvez um lago em uma noite ventosa, onde não podemos ver um reflexo claro na superfície do lago porque ela está agitada. Enquanto que, se formos lá em um dia calmo, está tudo bem visível. Isso já nos leva a uma prévia do que vamos abordar no Capítulo 6.
- (2) Seres sencientes experimentam o sofrimento da composição: para o segundo tipo de compaixão, os comentários dizem que devemos colocar a ênfase na “água em movimento” e na “alteração”. Então, nesta analogia, o lago é samsara, e o vento é o carma, emoção, dualismo e o ego é que agita o samsara e leva ao sofrimento. A analogia funciona muito bem, porque quando somos agitados pela emoção e pelo ego, não podemos ver claramente. O objeto desse segundo tipo de compaixão inclui todos aqueles seres sencientes incluídos como objetos para o primeiro tipo de compaixão, e também os shravakas, arhats e pratyekabuddhas que já alcançaram seu resultado, e todos os bodisatvas até o 10º bhumi durante sua meditação.
Novamente, esta é uma grande diferença entre os caminhos Mahayana e os Shravakayana ou Theravada, porque no Shravakayana, uma vez que você alcançou o resultado de arhat ou pratyekabuddha, não há mais nada a fazer nesse ponto. Enquanto aqui, estamos dizendo que eles ainda têm alguns obscurecimentos, portanto ainda são objetos de compaixão. Como dissemos anteriormente: O estado do nirvana que o arhat alcançou é o mesmo que a iluminação? Enquanto os ensinamentos Shravakayana diriam que sim, aqui no Mahayana dizemos que não. Isso também é considerado como compaixão comum.
- (3) Seres sencientes que não compreendem plenamente a vacuidade: para o terceiro tipo de compaixão, colocamos a ênfase nas palavras “reflexo” e “vazio”, e esse tipo de compaixão agora inclui todos aqueles que não compreenderam completamente a vacuidade dos fenômenos, ou seja, a falta de uma verdadeira existência dos fenômenos. É considerada uma compaixão incomum, porque envolve a ausência do eu da pessoa e dos fenômenos. Em contrapartida, a compreensão da inexistibilidade do ego, o que é necessário para alcançar o nirvana, é apenas a falta da verdadeira existência do eu da pessoa, mas não necessariamente dos fenômenos. O objeto deste terceiro tipo de compaixão inclui todos os objetos anteriores e até mesmo o tempo de meditação do bodisatva do décimo bhumi. A única coisa que não inclui é o estado final da iluminação do Buda.
Agora, nós poderíamos nos perguntar o que é essa impureza final que supostamente continua a ser purificada quando os bodhisattvas estão nesses bhumis finais. Uttaratantra-shastra de Maitreya enumera nove impurezas a serem purificados no caminho (nos versos 132-133), e essas impurezas tornam-se cada vez mais sutis à medida que o bodisatva avança no caminho. No momento em que o bodisatva está nos “bhumis puros” (do 8º ao 10º bhumis), apenas uma impureza muito sutil permanece e, para removê-la eles devem aplicar o antídoto mais forte, o “antídoto vajra” (Uttaratantra-shastra, verso 142). De acordo com as tradições Vajrayana e mahasandhi, esta impureza final é o que eles estão buscando purificar.
Explicando os níveis do bodisatva (bhumis) [t = 1:02:07]
Agora continuamos explorando a noção de como pensamos sobre a progressão no caminho. O que é um bhumi? É uma combinação de sabedoria e método (também conhecido como ‘meios hábeis’, Sânscrito: upaya). Em sânscrito, a palavra bhumi significa ‘terra’ ou ‘país’, e mesmo hoje na Malásia eles usam a palavra derivada do sânscrito bhumiputera para se referir à raça malai e aos povos indígenas do Sudeste Asiático, onde putra significa filho e bhumi significa terra ou solo, daí ‘filho do solo’. E enfatizando que um bhumi é uma combinação de sabedoria e método, assim como boditchita é sabedoria e compaixão. Então, a compaixão aqui corresponde ao Rupakaya, à forma, ao método, portanto ao treinamento nos meios habilidosos, domínio. E a sabedoria é o Darmakaya, que corresponde à vacuidade quando pensamos em termos de forma e vacuidade. E como disse Rinpoche, se você tem sabedoria, mas nenhum método, então estamos falando sobre o caminho dos shravakas e pratyekabuddhas. Mas se você tem o método, mas não a sabedoria, então você é apenas um ser senciente comum. De volta ao que dissemos sobre a atenção plena: você pode ter uma técnica, um método, mas não a sabedoria.
E em termos de distinguir esses diferentes bhumis, você não pode classificar os bodisatvas durante seus estados de meditação. Na pós-meditação, você pode reconhecer suas qualidades, mas um bhumi inferior não consegue distinguir ou reconhecer o nível de um bodisatva em um bhumi mais alto. E talvez o ponto mais importante aqui é que quando falamos sobre estes bhumis, falamos deles como a extensão em que o bodisatva eliminou as impurezas. Portanto, nosso progresso ao longo do caminho é medido não em termos de quanto estamos adicionando, mas em termos de quanto estamos eliminando. E alcançamos um resultado que é o resultado da eliminação (dreldré). Rinpoche ensinou isso com muito detalhe quando ensinou os ensinamentos Uttaratantra-Shastra de Maitreya sobre a natureza búdica.
1:4cd-1:5ab
O Primeiro Bhumi [t = 1:04:18]
Com as duas primeiras linhas do verso 4 e as duas primeiras linhas do verso 5, começamos o primeiro bhumi. Terminamos nossa homenagem e louvor, e agora começamos o texto principal e os bhumis.
[1:4cd] O filho do vitorioso, possuindo tal entendimento,E dominado pela compaixão, deseja libertar completamente todos os seres. [1:5ab] Totalmente dedicado, assim como nas Aspirações de Samantabhadra,
Sua alegria é completa. Isso é conhecido como o primeiro.
Você verá que Chandrakirti passa rapidamente através dos cinco primeiros bhumis, possivelmente porque ele assume que seus leitores estão familiarizados com isso. E de fato, o texto original é o Dashabhumika-Sutra, o Sutra dos Dez Bhumis, e é esse sutra que fala bastante sobre os dez bhumis. E assim não há muito sobre eles neste texto, com exceção da exploração muito detalhada do sexto bhumi no Capítulo 6. Então, se você não teve a chance de estudar as paramitas ou os bhumis e você quer aprender mais, eu o encorajo a ler textos como As Palavras do Meu Professor Perfeito, em que a seção sobre boditchita tem uma introdução muito boa. Ou então o texto clássico sobre boditchita, Bodhicharyavatara de Shantideva. E, em ambos os casos, eles entram bastante nos detalhes sobre o conteúdo dessas paramitas, e sim, em ambos os casos, eles também tocam o tema da boditchita final, que aparece aqui na 6ª paramita da sabedoria. Mas porque Chandrakirti está tomando uma abordagem muito mais enxuta, ele realmente está se concentrando no aspecto não-dual das paramitas. E ele fala um pouco sobre contrastar o que seria uma prática dualista com uma prática não-dual, em outras palavras, uma prática baseada na visão do Caminho do Meio.
A linguagem da visão e a linguagem do caminho [t = 1:06:06]
Na página 27, há outra questão muito útil que Rinpoche respondeu ao introduzir a linguagem do caminho e a linguagem da visão. Eu acho que isso é importante porque já algumas das perguntas que vocês estão fazendo estão tocando nessa distinção. Por exemplo, muitos de vocês estão perguntando como essa visão não dual, essa visão absoluta, se aplica à prática e à experiência, porque parece que eles devem se conectar, mas como os conectamos? Chegaremos a isso mais tarde, na Semana 5, quando falarmos sobre as Duas Verdades, mas por enquanto já podemos distinguir entre linguagem do caminho e da visão. A linguagem da visão fala sobre a verdade – o que é a verdade? O que é real? O que de fato, em absoluto, existe ou não existe? E a linguagem do caminho é quando falamos sobre a experiência ou a jornada do praticante. É muito mais subjetivo, muito mais sobre questões como – como posso ter devoção ao guru? Como posso praticar de forma a abandonar as impurezas? Como Rinpoche salienta, estes são dois tipos diferentes de questões. Isso vai ser um desafio, e eu imagino que vamos ficar presos nisso nas próximas semanas. Mas eu queria dizer isso agora. Quando você tem uma pergunta, apenas pense consigo mesmo – eu estou fazendo uma pergunta sobre a visão ou estou fazendo uma pergunta sobre o caminho? Trata-se da linguagem da visão ou da linguagem do caminho, porque elas são diferentes. Como vemos nos sutras, um é mais sobre a verdade absoluta e um é mais sobre a verdade relativa. E sim, no final encontraremos uma maneira de relacioná-las uma com a outra, mas é realmente importante entender que elas são diferentes.
Se não há iluminação, qual é a razão da prática? [t = 1:07:55]
Como Rinpoche diz, precisamos da linguagem do caminho para incentivar praticantes como nós. E parte do desafio é que os ensinamentos que falam sobre o caminho são todos ensinamentos relativos. São ensinamentos provisórios em vez de ensinamentos definitivos. Então, de certa forma, todos os ensinamentos do caminho podem ser ditos como não verdadeiros até certo ponto, ou “falso” como diz Rinpoche. No entanto, ainda precisamos praticá-los. Ainda precisamos ouvir e praticar esses ensinamentos para realizar a visão. Como o dito famoso de Shantideva, nosso caminho é o de abandonar nossas impurezas e nossa ignorância, mas a última impureza, a última ignorância que queremos abandonar é a idéia de que há iluminação. Em última análise, como disse Nagarjuna, queremos chegar a um lugar onde não tenhamos nenhuma visão. Como diz o Sutra do Diamante, nem mesmo o Buda, nem mesmo a iluminação, não podemos dizer que essas coisas existam. Mas se dissermos isso muito cedo, se ainda não estivermos prontos, se renunciarmos a essa aspiração sem termos percorrido o caminho e não tivermos removido nossa outra ignorância e nossas outras impurezas, então podemos simplesmente nos tornar niilistas. Podemos simplesmente desistir. Podemos apenas dizer “Se não há iluminação, qual é o sentido da prática?” E então não cumpriremos nada. Nós arruinaríamos completamente o nosso Darma porque simplesmente nos acomodaríamos com nossa ignorância intacta. Então, novamente, é muito paradoxal, como encontraremos tantas vezes neste ensinamento. Precisamos ter um caminho, mesmo que o caminho seja falso, porque esse caminho falso é a única coisa que pode nos levar a perceber a verdade. É um grande paradoxo.
1:5cd
O que significa ser um bodhisattva? [t = 1:09:52]
Agora na página 28, perguntamos o que significa ser um bodisatva, e primeiro falaremos sobre o nome. A que tipo de pessoa estamos dando esse nome ‘bodisatva’?
[1:5cd] Com essa conquista, a partir de agoraEle é conhecido como um bodisatva
Aqui, no verso 5, dizemos que podemos fazer isso de duas maneiras. Ou por ação e prática, ou pela visão.
(1) Definindo o que significa ser um bodisatva por ação (prática)
Quando atribuímos o nome por ação e prática, aqui precisamos refletir sobre o que Shantideva falou em termos de ‘entrar boditchita’ e ‘boditchita de aplicação’. O desejo ou a aspiração é diferente na entrada ou na aplicação. E quando começamos, como Rinpoche disse, sim, a aspiração é boa, mas apenas tendo uma aspiração, apenas tendo um desejo passageiro de iluminar todos os seres conscientes, é diferente de se comprometer com o caminho. E a boditchita de aplicação ou entrar em boditchita só começa quando você faz o compromisso de que, a partir desse momento, tudo o que você faz será pela iluminação de todos os seres sencientes. Em termos mais contemporâneos, podemos dizer que é uma escolha existencial. Diz o tópico da Wikipedia sobre ➜existencialismo:
A existência autêntica envolve a idéia de que alguém deve “criar a si mesmo” e depois viver de acordo com este eu […]. O ato autêntico é aquele que está de acordo com a liberdade de alguém.
Então, existe essa noção de que devemos mudar a história que estamos contando sobre nós mesmos, sobre quem somos, sobre o que é a nossa vida – qual é o nosso propósito? Temos que nos envolver em uma autoria de si muito deliberada onde agora nos criamos como bodisatvas. Há uma recriação explícita ou a criação de uma nova identidade para nós mesmos. E nesse ponto, podemos considerar-nos bodhisattvas como definidos por ação ou por prática. Então esta é uma ótima distinção para refletir consigo mesmo. Quando você pensa sobre sua narrativa, quando você pensa sobre como descreve sua paixão, seu propósito, qual é o sentido da sua vida, qual é o sentido do seu trabalho, como você se relaciona com o mundo, com os relacionamentos, com o trabalho – como você está fazendo isso? Qual é a sua narrativa? Quando alguém lhe pergunta por que você está fazendo isso, qual a sua resposta? E é a resposta, “porque eu quero trazer todos os seres sencientes para a iluminação”? É essa a sua resposta? É uma grande reflexão.
(2) Definindo o que significa ser um bodisatva pela visão (realização)
A segunda maneira de definir um bodisatva é pela visão ou realização. Neste caso, é quando o bodisatva tem uma experiência direta da vacuidade. Este é o primeiro bhumi e o Caminho do Ver.
1:6-1:7abc
As qualidades obtidas [t = 1:12:52]
A próxima parte do texto aborda as qualidades obtidas, começando pelo verso 6. Nos próximos versos, a linguagem torna-se um tanto poética, muito inspiradora, e acho que a maioria é bem direta.
[1:6] Agora nascido na família dos TathagatasAbandonando completamente os três constantes grilhões,
O bodisatva possui supremo deleite
E é capaz de agitar uma centena de mundos. [1:7abc] Avançando alegremente de bhumi para bhumi
Os vários caminhos para os reinos inferiores terminaram;
Os níveis da existência comum estão exauridos.
1:7d
O oitavo nível sublime [t = 1:13:08]
Gostaria de mencionar a última parte do verso 7, onde no texto se lê:
[1:7d] Isto é ensinado como sendo o oitavo nível sublime.
Existem quatro estágios de iluminação nos ensinamentos Shravakayana ou Theravada, que são divididos em oito níveis. E o que estamos dizendo aqui é que o início do primeiro bhumi corresponde ao que no Shravakayana é denominado ‘Vencedor da corrente’, o que significa que você tem no máximo mais sete renascimentos antes da iluminação. Os quatro estágios da iluminação são ‘Vencedor da corrente’ (Sotapanna), ‘O que retorna uma vez’ (Sakadagami), ‘O Não-Retorno’ (Anagami) e, finalmente, Arhat (Arahant). Há um grande debate aqui nos comentários sobre o que se entende pelo ‘oitavo nível sublime’. Rinpoche não entrou nisso e não acho que precisamos entrar nisso, mas Chandrakirti gostaria que entendêssemos que os ensinamentos Mahayana sobre os bhumis podem ser entendidos ao lado dos ensinamentos Shravakayana nos estágios da iluminação.
Súbito e gradual [t = 1:14:09]
Há também um ponto importante aqui sobre a distinção entre súbita e gradual, que é enfatizada no Shravakayana. É sobre como a mudança gradual ou contínua – em outras palavras, a prática contínua em que estamos lentamente trabalhando em nós mesmos e purificando nossas impurezas – pode levar a um resultado descontínuo. Uma das nossas maneiras corriqueiras de falar sobre isso é ‘a palha que quebra as costas do camelo’. Podemos continuar a adicionar a palha nas costas do camelo até o momento que apenas um pedaço de palha – o que por si só pode parecer insignificante – é mais do que as costas do camelo podem suportar, e assim quebra. Portanto, há uma mudança gradual ou contínua lentamente, lentamente, acumulando lentamente – com um resultado súbito ou descontínuo. E isso é bem próximo do que é ensinado no Sutta Pitaka: o progresso na compreensão vem todo ao mesmo tempo. O que é chamado de ‘insight’ (abhisamaya) não vem gradualmente. Cada um desses quatro níveis é alcançado repentinamente, e até mesmo a realização final do fruto também é repentina.
Temos muitas maneiras contemporâneas de entender isso e relacioná-lo com a nossa própria experiência, por exemplo quando trabalhamos em algo por muito tempo e então talvez adormeçamos e acordamos de manhã com um ‘a-ha moment’ quando tudo se junta e podemos ver claramente. Nós temos aquele insight. Mesmo em nossas vidas cotidianas temos essa experiência de como podemos estar trabalhando em algo por um longo tempo, aparentemente sem sinais óbvios de progresso, e então pode levar a um insight repentino. É exatamente assim que devemos entender o progresso no caminho do Darma. Na tradição Zen, existe a noção de que você pode ter uma visão inicial ou satori, mas há a necessidade de um treinamento gradual para garantir que essa experiência se desenvolva em realização. É assim que podemos entender o súbito e o gradual em conjunto, e os bhumis ou estágios de bodisatva têm uma qualidade similar onde a prática gradual ou contínua leva a transições descontínuas ou repentinas de um bhumi para o próximo.
1:8
A qualidade de ofuscar os outros [t = 1:16:21]
O próximo verso importante é o verso 8. Como Rinpoche disse, nos shedras, nas faculdades monásticas, eles passam muitas semanas apenas nesse verso.
[1:8] Esforçando-se pela iluminação, mesmo quando permanece no primeiro nível,Ele derrota aqueles que nasceram do discurso do Sábio Rei, incluindo realizados solitários.
E, através do mérito cada vez maior,
Em “quanto mais distante no caminho”, seu entendimento também se torna maior.
E ele é todo sobre o que podemos dizer quando um bodisatva pode ofuscar um shravaka arhat ou pratyekabuddha. No primeiro bhumi, dizemos que o/a bodisatva já ofusca os arhats pela força do seu mérito, mas ainda não pela força de sua sabedoria. Então, quando dizemos “a força do seu mérito”, há um bom exemplo aqui de um rei cercado por seus ministros, e aí vem a rainha segurando o príncipe bebê. E o príncipe bebê já ofusca todos os ministros. Então, mesmo que esses ministros sejam muito sábios, muito nobres e experientes, eles nunca serão reis. Mas o príncipe bebê um dia será rei. Ele tem esse mérito. A analogia é que, como consequência de sua grandiosa compaixão e do mérito acumulado ao longo de éones de prática, os bodisatvas têm o mérito que os levará a completar a iluminação.
Mas os bodisatvas não superam os arhats na força de sua sabedoria até completar o 6º bhumi e entrar no 7º bhumi. Aqui é onde isso fica um pouco técnico, e precisaremos apresentar alguns termos tibetanos, enquanto falamos sobre algumas das diferentes impurezas no caminho.
Primeiro uma analogia. A compreensão do vazio do shravaka arhats e pratyekabuddhas é como um pequeno inseto que está comendo o interior de uma semente de mostarda, que como você sabe, ela é uma pequena semente em que se cria um espaço lá dentro. Já a compreensão da vacuidade pelo bodisatva é tão ampla como o céu. Então, podemos perguntar se o bodisatva tem uma maior compreensão da vacuidade, por que ele também não ofusca os shravakas com sua sabedoria?
Dendzin e tsendzin [t = 1:18:45]
Para responder a esta pergunta, apresentamos alguns obscurecimentos ou impurezas:
- Dendzin: isso é o apego à existência verdadeira, realmente acreditando que existe um eu, que dá origem ao apego ao eu, emoções e sofrimento. E como discutimos na semana passada, essa é a causa do samsara – este dendzin ou apego à existência verdadeira.
- Tsendzin: mesmo depois de superar aquele apego à existência verdadeira, ainda resta uma outra impureza, chamada tsendzin, que é traduzida aqui como ‘fixação às características’. Podemos entender isso da seguinte maneira: mesmo que não pensemos que algo realmente exista, ainda temos percepções dualistas. Ainda temos sujeito e objeto. Ainda pensamos em coisas em termos de bom e ruim. Temos reificações. Nós traçamos limites em torno de objetos com nossas palavras, com nossa linguagem, com nossos pensamentos. E tudo isso criando alguns tipos de características no mundo, isto é tsendzin. Se quisermos dar um passo atrás, em algum nível, sabemos que o mundo é um conjunto complexo de fenômenos interativos, interdependentes e pré-linguísticamente onde você traçaria limites em torno de qualquer fenômeno, é algo muito convencional. É uma escolha arbitrária que depende muito de como você deseja interagir e “usar” o mundo fenomenal. E então começamos rapidamente a perceber que muito disso que chamamos de ‘fenômenos’ são apenas nossas invenções. Eles são apenas nossas criações. E, no entanto, uma vez que criamos palavras, criamos essas distinções, é fácil para nós esquecermos que são apenas coisas que inventamos e começamos a levá-las muito a sério. Isso é tsendzin.
- Nyinang: mais tarde (na página 64) Rinpoche fala sobre outra impureza, nyinang, que ainda está presente do 8º ao 10º bhumis. É traduzido como “mera apreensão” e, como Rinpoche diz, nesse ponto, a partir do 8º bhumi em diante, não há mais aparência – e muito menos a fixação na aparência. Não há mais percepção. E ainda assim, existe algum tipo de subjetividade. Se olharmos para práticas não-duais, como mahamudra e mahasandhi, elas estão trabalhando para purificar esse tipo de impureza ou obscurecimento onde não há aparência ou percepção, mas no entanto ainda existe algum tipo de subjetividade.
Voltando a nossa pergunta sobre o ofuscar, a razão pela qual dizemos que os bodisatvas ainda não podem ofuscar os shravakas, embora entendam vacuidade em grau muito maior – como o céu versus o buraco na semente de mostarda – é porque eles não conseguem fazer o remoção de seu tsendzin de forma irreversível. Durante a sua prática, durante o seu caminho, o apego a essas características, que é uma impureza, mesmo quando estão removendo-o ainda estão criando as causas para novo tsendzin, enquanto estão nos primeiros seis bhumis. É só quando eles alcançam o 7º bhumi que eles não estão mais criando causas para tsendzin, e nesse ponto, nós diríamos que eles ofuscam os shravaka arhats.
A compreensão superior do próprio objeto [t = 1:22:27]
Agora quando falamos sobre a compreensão da vacuidade, sobre o que exatamente estamos falando? O comentário apresenta a compreensão de Nagarjuna sobre este ponto, em que ele explica em termos de “a compreensão superior do próprio objeto”. O comentário quebra essa frase em três partes:
- (1) O próprio objeto: se você olhar na página 37, você verá que nós não falamos apenas sobre existência e não-existência. Ao invés disso, falamos sobre uma classificação quádrupla composta por existência, não-existência, ambas e nenhuma delas.
Isto é chamado catuskoti, que pode ser encontrado na lógica clássica indiana, e é muito da base do famoso argumento lógico de Nagarjuna chamado “Cortador de Diamantes”. E voltando ao que eu disse antes sobre a relação entre o budismo e a antiga filosofia grega, esta lógica quádrupla também apareceu na filosofia cética de Pirro. Isso é muito interessante, pois como na maior parte da lógica ocidental não há nada como essa lógica quádrupla. Ao invés disso, existe o que é chamado de Lei do Terceiro Excluído (“Law of the Excluded Middle”) – em que uma proposição pode ser tanto verdadeira quanto falsa, mas na lógica clássica não há uma terceira opção, e muito menos uma quarta. Como o Rinpoche às vezes diz, a lógica budista é diferente da lógica ocidental, e certamente essa ideia de lógica dupla ao invés de uma lógica quádrupla — elas são diferentes, e vamos ver isso conforme vamos avançando na análise. Mas isso também é interessante nesta nota, observar que a lógica contemporânea vai além da clássica lógica dupla da Lei do Terceiro Excluído.
Epimenides
O paradoxo do mentiroso e o “problema difícil” na consciência [t = 1:24:20]
Mesmo na grécia antiga nós tivemos alguns exemplos onde esta, aparentemente, robusta classificação — ou é verdadeiro ou é falso — começou a desmoronar. E o exemplo mais clássico é o Paradoxo do Mentiroso, que vocês devem conhecer. Isto é originalmente de um pensador grego chamado Epimenides, que era de Creta e viveu por volta de 600 A.C., e foi relatado que ele dizia: “Todos os Cretenses são mentirosos”. E é claro que essa afirmação é paradoxal: se o que ele disse é realmente verdade, então ele pronunciou uma afirmação verdadeira, o que significa que nem todos os Cretenses são mentirosos. E se ele está mentindo quando diz que “todos os cretenses são mentirosos”, então significa que alguns cretenses falam a verdade. Uma versão mais simples da mesma coisa é a afirmação “Esta afirmação é falsa”. Apenas essas quatro palavras são paradoxais. E alguns de vocês talvez tenham lido o maravilhoso livro de Douglas Hofstadter, “Gödel, Escher, Bach”, que fala sobre os teoremas da incompletude de Gödel na matemática pura, e uma das provas clássicas dos teoremas de Gödel funciona com esta ideia exata de construir sentenças matemáticas com essas qualidades paradoxais.
E é interessante, porque essa área de investigação está se tornando bem viva na filosofia da consciência e ciência cognitiva contemporâneas, as quais vamos abordar na semana 5, e mesmo Hofstadter disse a respeito de seu livro — que aparentemente é sobre matemática, arte e música — que não é realmente sobre disso. É sobre como a cognição emerge de mecanismos neurológicos escondidos. Isso é muito relacionado com o assim chamado “problema difícil” na filosofia da consciência: como explicamos experiências subjetivas quando aparentemente elas emergem de bases físicas, em outras palavras, o cérebro. Como a consciência emerge do cérebro? Nós chegaremos nisso, o que nos leva de volta à escola Yogachara, a Cittamatra, que eram defensores (e tinham uma posição bem firme) da mente-apenas e da consciência. É muito tentador aceitar a visão deles dadas as nossas intuições sobre o que é estar consciente. Isso foi famosamente expressado por Descartes quando ele disse “cogito ergo sum” (“penso, logo existo”). Quando voltamos ao que é válido, o que conta como cognição válida, e o que é verdade — para Descartes o fato de que ele podia efetivamente experienciar sua própria consciência, sua própria subjetividade — parecia incontroverso a ele. Como poderíamos argumentar com isso? Vamos confrontar isso mais adiante.
Compreendendo o sem-eu (non-self): a vacuidade não é o mesmo que a inexistência [t = 1:27:28]
Nós já vimos que Nagarjuna não está apenas falando sobre como as coisas são não-existentes. Essa é a abordagem Shravakayana – estabelecendo que o eu não existe verdadeiramente. Mas aqui no Madhyamaka queremos ir além de todos os quatro cantos do catuskoti: não apenas a eliminação do apego ao eu, em outras palavras, apego à existência, mas também a eliminação do apego à inexistência, o apego a ambos e o apego a nenhum. Isso – indo além dos quatro extremos – é o que chamamos de “grande vacuidade”, que é a vacuidade da vacuidade, e vamos falar sobre isso na 6a Semana. Outro mal-entendido comum é que quando falamos de vacuidade, estamos falando sobre esta grande vacuidade que está além dos quatro extremos. E isso não é o mesmo que inexistência, que só vai além de um dos quatro extremos. Assim esta é uma fonte de potencial confusão e mal-entendidos entre alguns dos textos Shravakayana e alguns dos textos Mahayana. Se você olha a definição literal de nirvana, significa “soprar” ou “extinção”, que tradicionalmente é entendida como a extinção dos três fogos ou três venenos da paixão, aversão e ignorância. E quando esses fogos são extintos, a libertação do ciclo de renascimento é alcançada. Então, no Shravakayana, a conquista do nirvana tem a conotação de se livrar do falso apego ao eu que dá origem aos três fogos ou aos três venenos. Enquanto no Mahayana, não falamos apenas do ‘livrar-se de’. Sim, dizemos que a forma é vacuidade, em outras palavras, nos livramos do apego a ideias falsas de existência. Mas no Sutra do Coração também dizemos que o vacuidade é forma, assim eliminando falsas ideias de inexistência. Voltamos a esse entendimento paradoxal que vai além da nossa racionalidade comum.
Como mencionei anteriormente, houve uma discussão no Fórum sobre o que queremos dizer com o eu inexistente e no Madhyamaka quando dizemos ‘eu inexistente’, estou usando essa palavra como taquigrafia para resumir a visão de Nagarjuna de que o eu nem existe nem inexiste, nem ambos nem nenhum. Também nos referiremos a essa visão como “além dos extremos” e “não-dual”, já que a visão de Nagarjuna do Caminho do Meio vai adiante de todos os extremos dualistas. E sempre devemos nos lembrar que essa ‘visão’ da vacuidade é efetivamente uma não-visão que vai além de todas as visões. Como o próprio Nagarjuna disse: “O sábio não deveria nem permanecer no meio”. Como Rinpoche enfatizou, podemos tentar falar sobre isso, mas porque é tão paradoxal, vai rapidamente além da linguagem e do pensamento da nossa compreensão racional. Como discutimos na semana 1, a única maneira que nós podemos realmente entender a vacuidade é através da meditação. Falar sobre isso só piora. E como vimos anteriormente, se você olha o Paradoxo do Liar ou o Teorema de Gödel, você verá que a linguagem, os conceitos dualistas e as descrições racionais se quebram em um determinado ponto. Eles não são suficientes para descrever ou nos levar a este estado de não-dualidade.
Então, agora, qual é o “objeto” que é entendido quando alguém tem uma compreensão da vacuidade, que Nagarjuna aqui se refere como “o próprio objeto de alguém”. Em resumo, o que é entendido não é apenas a visão Shravakayana da falta de existência verdadeira do eu, mas entendemos a visão da vacuidade além de todos os extremos da existência, da inexistência, ambas e nenhuma.
Shravakas e pratyekabuddhas compreendem a vacuidade dos fenômenos? [t = 1:30:30]
Em seguida, o segundo aspecto da “compreensão superior do próprio objeto”, ou seja, “superior”:
- (2) Superior. Aqui falamos sobre o quanto os shravakas e pratyekabuddhas compreendem a falta de existência verdadeira dos fenômenos? Como podemos dizer que a compreensão da vacuidade dos fenômenos é superior no Mahayana?
Sabemos que os shravakas entendem a vacuidade do eu da pessoa, pois de outra forma não poderiam alcançar o nirvana. Mas se eles também compreendem a vacuidade dos fenômenos, então pode-se argumentar por que precisaríamos do caminho do Mahayana, porque é aí onde tudo isso é ensinado. Bhavaviveka, um dos primeiros comentaristas da Mulamadhyamakakarika de Nagarjuna, argumentou que como os shravakas só estão interessados no nirvana, eles não se preocupam com a vacuidade dos fenômenos. Mas Chandrakirti discorda e diz que não, se eles alcançam o nirvana e compreendem a vacuidade do eu, eles também devem entender algum aspecto da vacuidade dos fenômenos. Isso é porque eles devem entender a vacuidade dos cinco agregados que constituem o eu. E, de fato, o Buda ensinou isso.
No ➜Phena Sutta, um dos sutras Pali, há um verso famoso que descreve a vacuidade dos fenômenos:
A forma é como um globo de espuma; sentindo, uma bolha; percepção, uma miragem; fabricações, uma bananeira; consciência, um truque de mágica – isso foi ensinado por um parente do Sol. De qualquer maneira que você os observa, examina-os adequadamente, eles são vazios, ocos para quem os vê adequadamente […] É assim que se passa: é um truque de mágica, um balbucio de idiota. É dito ser um assassino. Nenhuma substância aqui é encontrada.[SN 22.95]
Se você está interessado no porque é dito ser um assassino, isso está em outro sutra Pali, ➜Yamaka-Sutta, onde Shariputra conta a história de alguém que conhece um rico chefe de família de quem quer roubar seu dinheiro, a ele se apresenta como um servo, ganha a sua confiança e depois o mata. Depois de contar a história, Shariputra pergunta a Yamaka, não é verdade que embora essa pessoa fosse um assassino, o chefe de família não o reconhecia como sendo um assassino? Yamaka diz que sim, e Shariputra continua comparando esta história a como como confundimos nosso corpo e nós mesmos:
Da mesma maneira, uma pessoa sem instrução, desclassificada – que não tem respeito pelos nobres, não é bem versado ou disciplinado no seu Darma; que não tem respeito pelos homens de integridade, não é bem versado ou disciplinado no seu Darma – assume a forma (o corpo) como sendo o eu, ou o eu como possuindo a forma, ou forma como no eu ou o eu como na forma.[SN 22.85]
O que ele está dizendo é que quando se trata dessas visões errôneas do eu, e em particular como relacionamos o eu e o corpo – ao qual voltaremos mais tarde com o famoso exemplo da carruagem – apego a esses visões errôneas é considerado tão enganoso como o assassino posando como um servo fiel. Nós imputamos solidez, mas na realidade, como o Buda diz, é um truque mágico. É um idiota balbuciando. Nenhuma substância é encontrada.
Você pode ter visto que há uma nova e encantadora tradução disponível no site da Fundação Khyentse do Vimalakirti Sutra (O Sutra dos Ensinamentos de Vimalakirti), que é considerada a jóia de todos os sutras Mahayana. É um download gratuito da nova tradução de Robert Thurman, que também contém uma introdução realmente maravilhosa de Rinpoche e algumas obras de arte encantadoras. Contém uma seção (na página 114 do PDF) que expressa a vacuidade do corpo de uma forma muito semelhante ao Phena Sutta:
Este corpo é como uma bola de espuma, incapaz de suportar qualquer pressão. É como uma bolha de água, não permanecendo por muito tempo. É como uma miragem, nascida dos apetites das paixões. É como o tronco da árvore de plátano, sem núcleo. Infelizmente! Este corpo é como uma máquina, um nexo de ossos e tendões. É como uma ilusão mágica, constituída de falsificações. É como um sonho, sendo uma visão irreal. É como um reflexo, sendo a imagem de ações anteriores. É como um eco, dependente do condicionamento. É como uma nuvem, sendo caracterizada por turbulência e dissolução. É como a luz de um relâmpago, sendo instável e decadente a cada momento.
Outro exemplo clássico é a seção final do Sutra do Diamante (seção 32), que tem a expressão clássica:
Todos os fenômenos condicionadosSão como um sonho, uma ilusão, uma bolha, uma sombra,
Como o orvalho ou a luz de um relâmpago;
Assim devemos percebê-los.
Em todas essas maneiras, acabamos de falar sobre como o entendimento da vacuidade dos fenômenos é superior no caminho Mahayana porque embora no caminho Shravakayana entendamos que os fenômenos são vazios e sem existência verdadeira da maneira que acabamos de descrever, no caminho Mahayana não só se estabelece a falta dessa existência verdadeira, mas ultrapassamos completamente os quatro extremos. Eles nem existem, nem não existem, nem ambos nem nenhum. E o Mahayana também tem ensinamentos sobre paramitas, compaixão, e assim por diante. Assim, nessa direção, é superior.
- (3) Compreensão: Finalmente, na página 41, chegamos ao terceiro aspecto da “compreensão superior do próprio objeto”, a saber, o entendimento. O ensinamento Mahayana é considerado superior porque é mais claro, mais vasto e mais completo. Então, mais uma vez, dizemos que a vacuidade ensinada no Shravakayana é estreito e limitado, enquanto aqui no Madhyamaka falamos sobre 20 tipos diferentes de vacuidade que negam todos os quatro extremos.
Definindo ignorância e sabedoria [t = 1:35:58]
Eu gostaria de fazer um breve comentário acerca da ignorância. Nós falamos bastante sobre sabedoria, que é o oposto da ignorância, e esta é uma palavra bastante desafiadora e enganosa para muitos de nós quando nos aproximamos desses ensinamentos pela primeira vez, porque o entendimento usual em inglês da palavra “ignorância” significa algo como “não saber alguma coisa” ou “falta de informação”. Aqui está a definição do dicionário:
Ignorância: falta de conhecimento ou informação.Sinônimos: incompreensão de, falta de consciência de, inconsciência de, não familiaridade com, inexperiência com, falta de conhecimento sobre, falta de informação sobre.
Se olharmos para a definição de “sabedoria”, é um pouco melhor porque fala mais sobre experiência e bom julgamento, mas o sentido ainda é a que a experiência traz sabedoria porque você sabe mais:
Sabedoria: qualidade de ter experiência, conhecimento e bom julgamento; a qualidade de ser sábio.Sinônimos: sagacidade, inteligência, senso, senso comum, astúcia, perspicácia, esperteza, sensibilidade, discernimento, prudência, circunspecção.
Alguns desses aspectos mais relativos de sabedoria são muito relevantes para nós em nossa prática, como o Nobre Caminho Óctuplo é também uma prática de agir sabiamente no mundo relativo. Mas agora quando nós estamos estabelecendo a visão, quando falamos aqui sobre sabedoria, nós queremos dizer sobre o resultado da eliminação. Nós queremos eliminar nossa ignorância e impurezas. Da mesma forma, a palavra tibetana para Buda, Sangye, significa “purificado”. Nós louvamos o Buda por ter despertado. Estar desperto significa uma ausência de sono. Nós não o louvamos por ser poderoso ou bonito ou coisas como essas. Existe uma boa explicação na página da Wikipedia sobre avidya (ignorância), onde diz:
Avidya é explicada de diferentes maneiras ou em diferentes níveis por diferentes ensinamentos ou tradições budistas. No nível mais fundamental, ela é a ignorância ou a má compreensão a respeito da natureza da realidade; mais especificamente acerca da natureza no não-eu e das doutrinas da originação dependente. Avidya não não é a falta de informação, argumenta Peter Harvey, mas uma “profunda e arraigada percepção equivocada da realidade”. Gethin chama Avidya de “equívoco positivo”, não uma mera ausência de conhecimento. É um conceito chave no budismo, onde Avidya sobre a natureza da realidade, ao invés do pecado, é considerada a raiz básica de Dukkha. A remoção de Avidya conduz à superação de Dukkha.
Como o Rinpoche diz, não é que não saibamos o suficiente. É que sabemos coisas que são incorretas. Nós temos construído uma ilusão, uma alucinação, uma miragem — nós vemos algo ali, nós postulamos algo como existente, quando isto não está ali.
Dualismo e não-dualidade [t = 1:38:35]
Isso nos leva à não-dualidade. Nós já estamos acostumados com as distinções dualísticas usuais como bom e mau, bonito e feio e assim por diante, e elas também estão inclusas nos conceitos e característica de tsendzin. E sim, nós sabemos que não faz sentido falar sobre algo como uma pessoa cuja beleza é verdadeiramente existente. Se uma pessoa possuísse a característica de uma beleza verdadeiramente existente, então todo mundo veria essa pessoa como sendo bonita. Lembre que nós definimos a verdadeira existência como sendo independente de causas e condições, então se houvesse algo como uma beleza verdadeiramente existente então todo mundo iria experienciar isso do mesmo modo. Mas nós sabemos muito bem que a beleza está nos olhos de quem a vê. Nós não percebemos as pessoas da mesma maneira. Sabemos que a beleza não é verdadeiramente existente, e sabemos que esse tipo de concepção dualista não funciona.
Mas no Madhyamaka, o entendimento da não-dualidade é ainda mais fundamental, porque não estamos apenas dizendo que objetos não têm nenhuma característica dualista verdadeiramente existente como bonito e feio. Estamos dizendo que não existem entidades sólidas separadas de sujeito e objeto em primeiro lugar. Como o Rinpoche diz, quando somos pegos pelo dualismo nós estamos, na verdade, “divorciando sujeito e objeto”. Alguns de vocês fizeram perguntas sobre o que queremos dizer por “dualismo”, e é isso que queremos dizer.
Bob Kegan
Indo além de sujeito e objeto [t = 1:39:37]
Intrigantemente, há algumas reais sobreposições com muito da tradição ocidental aqui. Em particular, eu adoraria chamar a sua atenção para o trabalho de Bob Kegan, Professor de Aprendizado do Adulto e Desenvolvimento Profissional em Harvard, que é um dos principais especialistas em desenvolvimento adulto. Há uma amável citação de um artigo “Epistemologia, Consciência de Quarta Ordem, e o Relacionamento Sujeito-Objeto” (impressões esgotadas), onde Kegan está falando sobre desenvolvimento através do ciclo de vida humano, e como isso se relaciona ao dualismo e a toda a noção de sujeito e objeto:
Nós começamos de uma posição, na mais tenra infância, onde não há absolutamente distinção sujeito-objeto, porque o conhecimento do infante é inteiramente subjetivo. Não há “não eu”, nem interno vs. externo. Não há distinção, por exemplo, na fonte do desconforto causado por luz brilhante ou fome na barriga. Não há distinção entre eu e outro.
Como vocês devem saber, nos primeiros meses após o nascimento, um bebê não sabe que as suas mãos e pés são dele próprio. Ele não pode sequer distinguir entre ele mesmo e sua mãe. Kegan continua:
O último estado final desta história – deste processo de ir gradual mas qualitativamente deslocando mais e mais do que era sujeito para objeto – […]
Aqui entre parênteses nós podemos adicionar que muito do triunfo da racionalidade e da tradição Iluminista no Ocidente se tratou do nascimento de uma visão de mundo baseada na ciência e objetividade. Novamente, trata-se de como nós nos movemos de subjetividade (e irracionalidade) para objetividade (e racionalidade). Como Kegan diz, conforme nós continuamos gradualmente deslocando mais do que era sujeito para objeto, nosso ponto final:
[…] seria um estado em que a distinção sujeito-objeto chega a um fim novamente, na direção oposta àquela dos primeiros minutos de vida. Você sabe, nos anos sessenta, Alan Watts gostava de dizer que seu bebê era um buda. Mas isso mostrava uma má compreensão total. Há duas formas diferentes de escapar da separação sujeito-objeto. Uma maneira é ser inteiramente sujeito com nenhum objeto – isso era o bebê do Watts. E outra maneira é através completo esvaziamento do sujeito no objeto para que haja, em certo sentido, nenhum sujeito – isto é, você não está olhando para o mundo de nenhum ponto de vantagem que é separado dele. Você está então tomando a perspectiva do mundo. Isso é o Buda. Há uma enorme diferença entre o não-dualismo de um infante e o não-dualismo do Buda.
[Nota: o original do Kegan tinha “adualismo” ao invés de “não-dualismo”]
Vacuidade, não-dualidade e originação dependente [t = 1:42:28]
Alguns de vocês perguntaram como nós podemos distinguir vacuidade, não-dualidade, originação dependente, interdependência e assim por diante. Estes todos são termos que nós devemos encontrar muito, e nós vamos desenvolver uma definição mais completa ao longo das próximas semanas, mas apenas brevemente:
- Vacuidade: aqui nós vamos seguir o entendimento do Nagarjuna onde nós usamos “vacuidade” para nos referir à vacuidade da vacuidade, que é nem existência, nem não-existência, nem ambos, nem nenhum. Além até mesmo de descansar no Meio. Isso se refere à verdade última.
- Não-dualidade: isso também é além de sujeito e objeto, embora como vocês acabaram de ver na citação de Kegan, há uma maneira de entender que é mais parecida com a de Buda, e outra maneira que poderia ser totalmente subjetiva, que não é pretendido aqui. Isso apenas leva ao narcisismo total. Também é interessante notar, voltando aos suttas Páli que nós citamos mais cedo, que Thanissaro Bhikkhu fala em seu comentário sobre vacuidade como sendo um atributo de um objeto. Os suttas Páli dizem coisas como “o olho é vazio, o nariz é vazio, o ouvido é vazio …” e assim por diante. Mas de uma perspectiva Mahayana isso ainda é considerado dualista, porque nós ainda estamos distinguindo um fenômeno (um objeto) que tem o atributo de ser vazio. Por exemplo, nós ainda estamos distinguindo uma orelha – isso é tsendzin, uma característica, um rótulo, alguma “coisa” que nós chamamos uma “orelha”. E mesmo que nós estejamos dizendo que é vazio, ainda há uma relação sujeito-objeto. A não-dualidade de que nós estamos falando sobre no Mahayana é diferente do entendimento Shravakayana da vacuidade como um atributo dos cinco agregados. Então isso também deve nos ajudar a ter uma ideia melhor de porquê o entendimento Mahayana da vacuidade dos fenômenos é considerado superior ao entendimento Shravakayana.
- Originação dependente: agora nós estamos falando sobre fenômenos convencionais, e como as coisas se originam e emergem no mundo. Isso agora é uma discussão da verdade relativa, e conforme nós pensamos sobre como qualquer coisa funciona no mundo relativo, nós sabemos que tudo é interdependente. Nós somos incapazes de desemaranhar a totalidade complexa dos relacionamentos espaciais e temporais de causa e efeito que caracterizam o nosso mundo fenomênico. Nós vamos voltar a isso na Semana 6.
Como Rinpoche diz, há efetivamente apenas uma ignorância – nomeadamente, apego aos fenômenos como tendo um eu verdadeiramente existente. Entretanto, nós podemos dividir esta ignorância em apego ao eu da pessoa e apego ao eu dos fenômenos para nossos propósitos de refutar visões errôneas e estabelecer a vacuidade neste texto. Especificamente, Chandrakirti estabelecerá a vacuidade em dois estágios. Primeiro, como ela deve ser entendida por todos os veículos, incluindo o Shravakayana e o Mahayana. E então, como ela deve ser entendida exclusivamente dentro do Mahayana, notando as várias maneiras nas quais o Mahayana ensina o “entendimento superior do próprio objeto” que nós falamos sobre mais cedo.
Mas é relevante para nós, especialmente quando nós chegamos à Semana 5 refutar o apego ao eu da pessoa, como um monte da filosofia contemporânea da mente, filosofia da consciência, fenomenologia – vai dentro deste tópico. E de fato há um debate contemporâneo muito ativo sobre estes tópicos, os quais vocês talvez tenham se cruzado se acompanharam quaisquer das conferências Mind and Life, onde Sua Santidade o Dalai Lama tem se encontrado com neurocientistas importantes. Há muita discussão lá sobre como alguém pode estender os métodos objetivos em terceira-pessoa da ciência para as experiências em primeira-pessoa da consciência. Isso sequer faz sentido? Há alguns debates muito interessantes sobre o que tudo isso signifca, e nós seremos capazes de dar melhor sentido a eles à luz do nosso entendimento da não-dualidade.
Mas como Rinpoche diz, se você olha a qual é uma categoria maior, o eu dos fenômenos é maior do que o eu da pessoa, porque a pessoa é apenas um fenômeno. Então é possível abandonar o apego ao eu da pessoa, que é o que acontece no caminho Shravakayana, e mesmo assim ainda ficar com algum apego ao eu dos fenômenos. Então é por isso que nós diríamos que o caminho Mahayana, o caminho Madhyamaka, é superior.
1:9-1:15
O Primeiro Bhumi: Generosidade [t = 1:46:11]
Em seguida nós nos voltamos para as qualidades das próprias paramitas começando com o verso 9, que fala sobre a paramita da generosidade. A maioria destes versos é bem direta.
[1:9] Aqui, a primeira causa para a iluminação perfeita,Generosidade, é a mais importante.
Dar a sua carne com entusiasmo,
Infere o que não é visto. [1:10] Indivíduos ordinários, ansiando por felicidade,
Não podem viver sem conforto.
Reconhecendo que o conforto vem da generosidade,
Isso foi o que o Muni falou primeiro. [1:11] Incompassivos, extremamente insensíveis,
Esforçando-se somente para o benefício pessoal –
Até mesmo estes indivíduos obterão confortos,
E ter todos os sofrimentos pacificados, através da generosidade. [1:12] Além disso, praticando generosidade,
Eles encontrarão rapidamente com um superior,
Cortando completamente o fluxo do samsara.
Tendo tal causa, eles procedem para o rendimento da paz. [1:13] Aqueles comprometidos com o bem-estar dos outros,
Logo ganharão felicidade através da generosidade.
Consequentemente, para aqueles com compaixão e para aqueles sem
A importância da generosidade é salientada. [1:14] Quando ouvindo ou pensando em “dar!”
O prazer de um bodisatva
Excede o prazer do nirvana do arhat,
Sem mencionar [a alegria de] dar tudo. [1:15] Sofrendo ao cortar e dar seu corpo,
Ele percebe a dor
Que outros amargam nos infernos e assim por diante.
Ele então se empenha em erradicar o sofrimento.
1:16
O que é uma paramita? [t = 1:46:19]
Gostaria de dizer algumas palavras no verso 16, em que Chandrakirti distingue o que pode ser chamado de paramita. É semelhante à discussão anterior sobre o que realmente pode ser chamado de bodisatva.
[1:16] Dando, o que está vazio de doador, presente e receptor –É conhecido como paramita transcendente.
Apego a estes três
É ensinado como sendo paramita comum.
Aqui ele diz que paramita significa ‘o que ultrapassa’, e portanto a paramita nem existe no primeiro bhumi porque como já vimos, nós não vamos além até mais tarde. Porque ainda temos todo esse tsendzin nos primeiros seis bhumis. Então podemos distinguir três tipos diferentes de paramita:
- Paramita transcendente da generosidade: a verdadeira paramita ou paramita transcendente é quando nos dedicamos à generosidade sem qualquer conceito de presente, doador ou receptor. Não há nenhum sujeito, nenhum objeto, nenhuma ação – essa é realmente uma perspectiva não dual, que está além do tsendzin e além da dualidade.
- Paramita comum da generosidade: é quando você ainda está apegado ao sujeito, ao objeto e a ação como sendo reais. Você ainda tem dendzin. Isso corresponde aos bodhisattvas que ainda estão no caminho ou seres sencientes como nós.
- Generosidade mundana: este é alguém apenas sendo uma pessoa legal. Podemos fazer boas coisas para os nossos amigos e assim por diante. Podemos ser generosos. Mas como vimos anteriormente, se você ainda não fez essa escolha, esse compromisso de que todas as suas ações sejam em função da iluminação de todos os seres sencientes, então nem sequer pode ser considerado uma paramita comum. Para que seja considerado uma paramita comum, você deve ser pelo menos um bodisatva conforme definido por sua ação. Em outras palavras, você deve ter ido além da mera aspiração de entrar em boditchita, a idéia de que você está comprometendo si mesmo e sua vida – todas suas ações, seu propósito, sua narrativa – ser para a iluminação de todos os seres sencientes.
1:17
Por que nós não podemos simplesmente fazer nossa prática? Por que nós precisamos estudar a visão? [t = 1:48:25]
Eu mencionei isso porque quando nós fazemos perguntamos como “Por que nós não podemos simplesmente fazer nossa prática? Por que nós precisamos gastar todo esse tempo estabelecendo a visão? Qual é o ponto?” Bem, vocês podem começar a ver agora que se vocês não têm a visão, vocês acabam apenas praticando generosidade ordinária mundana. Vocês nem sequer chegam à paramita ordinária, quando mais a paramita transcendente. Então vocês vão apenas ter ação sem nenhuma sabedoria. E enquanto vocês estiverem apenas se comportando de acordo com seus hábitos ordinários, vocês não estão acumulando nenhum mérito. Em outras palavras, vocês não estão fazendo nada para se engajar no gotejamento, gotejamento gradual de mudança dos seus hábitos que em algum ponto levará a uma mudança descontínua, ao insight, e então à iluminação.
[1:17] O bodisatva, firmemente estabelecido em tal mente,Se tornou um ser sagrado, encantador e radiante com júbilo,
Que, como a joia de cristal de água,
Perfeitamente subjuga a densa escuridão.
2:1-5:1
Capítulos 2 a 5: disciplina, paciência, diligência e meditação [t = 1:49:13]
Os capítulos restantes sobre os cinco primeiros bhumis são o Capítulo 2 sobre disciplina, Capítulo 3 sobre paciência, Capítulo 4 sobre diligência e Capítulo 5 sobre meditação. Todos eles são razoavelmente diretos. Se há alguma coisa obscura por favor faça uma pergunta, mas eu penso que vocês vão achá-los razoavelmente fáceis de entender.
6:1-6:3
Capítulo 6: Quais questões nós estamos explorando? [t = 1:49:33]
Então nós nos movemos para o Capítulo 6, e os sete primeiros versos são razoavelmente diretos. O trabalho duro começa na semana que vem com o verso 8.
[6:1] Em “Avançando” a sua mente permanece em meditação,Avançando em direção ao darma do estado búdico perfeito.
Vendo a talidade da originação dependente,
[O bodisatva] permanece em sabedoria, desse modo atingindo a cessação. [6:2] Assim como uma multidão inteira de pessoas cegas
Pode facilmente ser conduzir ao destino desejado
Por um indivíduo que vê, da mesma forma inteligência
Pode conduzir as qualidades cegas à vitória. [6:3] Aquele que realizou o profundo darma deste [bhumi],
Através das escrituras assim como através da razão
Foi Arya Nagarjuna. Baseado na sua tradição escritural,
Eu devo explicar esta tradição, como ela existe hoje.
Nestes versos iniciais, Chandrakirti está falando um pouco sobre o que é sabedoria. E nas duas últimas linhas do verso 1 ele diz:
[6:1cd] Vendo a talidade da originação dependente,O bodisatva permanece em sabedoria, desse modo atingindo a cessação.
Como o comentário diz, isto dá surgimento a duas questões que então se tornam o nosso tema para todo o resto do Capítulo 6, que é a maior parte do resto dos quatro anos de ensinamentos e que nos levará à Semana 6 neste programa. E estas questões são:
- Quando nós dizemos originação dependente, o que isso significa?
- Quando nós dizemos “a sabedoria que conhece a originação dependente”, nós estamos falando sobre algo que é “conhecido” pela sabedoria, o que parece sugerir uma experiência de subjetividade. Então como nós entendemos sabedoria, esta “conhecedora”, quando nós somos não-duais?
Então nós estaremos desenvolvendo um entendimento do que é originação dependente, como as coisas funcionam no mundo? E então o que é a sabedoria que entende isso? Isso será bastante do nosso tópico.
6:4-6:7
A quem a vacuidade deve ser ensinada? [t = 1:50:50]
Os Versos 4 a 7 também são importantes, onde nós falamos sobre quem deve ser o recipiente deste ensinamento, em outras palavras a quem a vacuidade deve ser ensinada? Há uma imagem adorável no verso 4:
[6:4] Até mesmo um ser ordinário pode, quando escutando sobre vacuidade,Repetidamente sentir imensa alegria surgindo em si,
Trazendo à tona lágrimas que umedecem seus olhos,
E fazendo os pêlos de seu corpo tremerem. [6:5] Ele tem a semente para a mente da iluminação perfeita
E é um recipiente perfeito para a instrução,
A ele deve ser ensinada a verdade última.
Então as qualidades-resultado irão surgir. [6:6] Aplicando a disciplina perfeita a todo momento, ele vem a permanecer nesse lugar.
Dando com generosidade, aderindo à compaixão,
E meditando na paciência,
Ele dedica completamente a sua virtude à iluminação dos seres. [6:7] Devotado aos bodisatvas perfeitos,
Qualificado nos caminhos do profundo e do vasto,
Ele gradualmente atingirá o bhumi do Extremamente Alegre.
Portanto, aqueles aspirando a isso devem escutar sobre este caminho.
Então sim, se nós somos o tipo de aluno que quando escuta estes ensinamentos sobre vacuidade e o Caminho do Meio nós temos lágrimas em nossos olhos e os pêlos de nosso corpo tremem, então, absolutamente, a nós devem ser dados os ensinamentos completos sobre a vacuidade da pessoa e a vacuidade dos fenômenos. Entrando em mais detalhes, vocês poderiam dizer que há três tipos diferentes de alunos, três tipos diferentes de pessoas com diferentes referências e diferentes necessidades:
- Pessoas com crenças filosóficas coerentes: O primeiro tipo de pessoa é alguém que não é um Budista, mas alguém que mantém algum outro tipo de visão filosófica ou religiosa. Por exemplo, alguém que acredita no Cristianismo ou Hinduísmo ou outro. E para eles, nós podemos ensiná-los Madhyamaka. Nós podemos engajá-los em lógica e raciocínio e refutar a visão deles, e então estabelecer a visão do Madhyamaka, que eles então podem praticar. Embora como Rinpoche apontou, isso é um pouco difícil para muitas das pessoas no mundo moderno, especialmente aquelas influenciadas por crenças New Age, porque elas não necessariamente têm uma visão consistente e coerente. É mais como uma mixórdia de diferentes coisas todas misturadas juntas. Mas não obstante, se há alguém com uma filosofia coerente, e têm uma visão forte, nós podemos ensiná-los Madhyamaka.
- Iniciantes: O segundo tipo de pessoa é um iniciante, alguém que não tem uma visão de mundo filosófica, apesar de que o requerimento é que não obstante eles devam ter vergonha e medo de fazer o mal, em outras palavras algum instinto moral básico. Para eles, nós ensinamos o caminho gradual. Nós começamos com treinamento da mente e lojong. Nós ensinamos shamatha e vipassana. Nós ensinamos boditchita. E então eventualmente depois de eles terem desenvolvido uma fundação em estudo e prática, nós ensinamos Madhyamaka a eles.
- Aqueles despertados para a família do Mahayana: O terceiro tipo de estudante é alguém que já despertou para a família do Mahayana. Este tipo de pessoa não precisa ser convencido com lógica, porque eles já aceitam a visão. E eles não precisam de ensinamentos fundamentais, então para eles você pode ensinar vacuidade diretamente.
Jean-Paul Sartre
Evitando niilismo e eternalismo quando estudando e praticando o Caminho do Meio [t = 1:52:59]
Como Rinpoche frequentemente nos lembra, há um perigo latente potencial aqui. E para ser cautelosos para nós mesmos, nós não devemos ensinar Madhyamaka para alguém que não tem uma fundação forte, porque então eles podem facilmente compreender mal os ensinamentos como sendo ensinamentos sobre niilismo. Em outras palavras eles podem compreender mal a vacuidade como significando negação do eu ao invés de perceber que, em última análise, o eu está além dos quatros extremos de existência, não-existência, ambos ou nenhum, e que relativamente o eu aparece e funciona como uma ilusão mágica. E como nós vimos na última semana, quando estes ensinamentos foram traduzidos pela primeira vez no Ocidente nos séculos 19 e início do 20, as pessoas entenderam mal os ensinamentos do Caminho do Meio como sendo uma forma de niilismo. Eles pensaram que os ensinamentos sobre sem-eu estavam efetivamente dizendo que nada existe, que não é óbvio que não estamos dizendo. Mas se vocês não estão realmente ancorados nestes ensinamentos, se vocês não têm prática suficiente de mindfulness e boditchita, vocês correm os risco de cair em algum tipo de depressão quando vocês ouvem que não há verdade. Que não há eu. Que não há propósito último. Que a vida é, em última análise, sem sentido. É bem assim que aconteceu com o pessoal que entendeu mal o existencialismo. Porque eles concluem que não há verdade, que não há propósito para a vida, que Deus está morto – muitos existencialistas acabaram como niilistas que não apenas escreveram sobre suicídio como efetivamente cometeram suicídio. Então é muito importante não desenvolver uma interpretação niilista da vacuidade.
E claro que cair no outro extremo, é também um risco. Nós podemos nos tornar eternalistas. Nós podemos começar assumindo orgulho excessivo em nosso entendimento. Mas isso é menos provável, eu acho, apesar de que eu devo dizer que no bhumi sobre disciplina, no Capítulo 2 verso 3, há uma citação muito boa que diz que se você está permanecendo na pureza da sua própria disciplina, isso não é disciplina pura.
[2:3] Permanecer na pureza da sua própria disciplina,Não é disciplina pura.
Então a respeito dos seus três [aspectos], em todos os momentos
Ele é perfeitamente livre dos engajamentos da mente dualista.
Se nós começamos a desenvolver um relacionamento sujeito-objeto com nossa disciplina e nós começamos a ficar apegados a ela, nós não estamos mais praticando a não-dualidade. E estou certo que muitos de vocês leram o que Chögyam Trungpa Rinpoche falou e escreveu sobre “materialismo espiritual”, a ideia de que se nós não formos cuidadosos, nosso caminho no Darma pode apenas se tornar um adorno para nosso ego. Nós podemos começar a desenvolver orgulho e ficar apegados à nossa identidade como um bom praticante, o que então se torna outro obstáculo do qual nós precisamos nos livrar.
É certamente muito importante que nós não nos tornemos niilistas com nosso caminho, e especialmente com estes ensinamentos Caminho do Meio sobre vacuidade, mas também é importante que nós não nos tornemos eternalísticos. Então apenas note a tentação. Sim, se vocês são o tipo de praticante que fica animado com estes ensinamentos e os pêlos do seu corpo tremem, isso é maravilhoso, mas vocês não querem começar a desenvolver uma identidade em torno disso. A identidade que vocês querem é como um bodisatva, alguém que está indo além disso tudo. Como vocês recordam de onde nós começamos esta noite, a jangada é para atravessar e não para carregar.
Prática [t = 1:55:53]
Então com isso nós vamos fechar o ensinamento desta semana, e eu vou deixar vocês com alguns conselhos do Rinpoche. Capítulo 6 verso 8 é onde nós começamos com toda a lógica e raciocínio, e é realmente nisso que a cruzada se torna mais difícil. Se nós usamos a analogia da Jornada do Herói, isso é quando nós cruzamos o limiar do mundo ordinário para este estranho mundo de abstração e lógica, onde nós vamos estar discutindo a verdade última. E porque isso é considerado um grande limiar para atravessar, um grande passo, quando isso é ensinado tradicionalmente os shedras e monastérios, eles fazem uma grande cerimônia antes de começar o verso 8. Rinpoche disse que seria auspicioso para nós fazermos algo similar. Então eu encorajo todos vocês entre agora e a próxima semana: por favor, qualquer que seja a sua prática, devotem-se a alguma prática especificamente com a aspiração de que vocês possam entender estes ensinamentos e o resto do Capítulo 6 que nós estamos prestes a embarcar, para que vocês possam aplicá-los e iluminar todos os seres sencientes. Muitos de vocês solicitaram mais materiais de prática no website, então se vocês olharem na página Practice vocês verão que eu adicionei algumas práticas que vocês são mais do que bem-vindos para usar. Vocês podem entoar o Sutra do Coração e o Mañjushri-Nama-Sagiti, e vocês também encontrarão as instruções de Jamyang Khyentse Wangpo sobre como praticar o Mañjushri-Nama-Sagiti. Mas se vocês tem alguma outra prática, qualquer que seja a sua prática, eu encorajo fortemente vocês a realmente acumular alguma prática esta semana, a realmente acumular algum mérito, para que na próxima semana nós estejamos prontos para cruzar o limiar e embarcar nessa nossa aventura. E com isso, muito obrigado. Eu desejo a vocês uma semana maravilhosa e eu os verei na próxima semana.
© Alex Trisoglio 2017
Traduzido por Elder Martins, Joana Camilo e Rafael Mousinho
Revisado por Luciana Marques